TEMPOS DE TERROR
Cristina
brincava sozinha na rua quando sua mãe gritou seu nome, no céu a lua estava
branca indicando ser mais cedo do que de costume, mas ela sabia que estava na
hora de despedir-se de seus jogos e recolher-se.
Enquanto virava a esquina de casa,
percebia as ruas mais desertas do que de costume; não havia a alegria comum
daquele lugar, e o silêncio ainda deixava tudo mais sombrio.
Entrou em casa sendo puxada por sua
mãe. Recebia uma bronca sobre o seu vagaroso andar e sujeira de sua roupa, corpo
e unhas.
Geralmente ela
saia para banhar-se, mas dessa vez sua mãe mandou trocar-se e se ajoelhar para
rezar.
Não havia esperado o jantar, não
havia mandado banhar-se... A casa estava tão quieta quanto à rua e seu pai, que
sempre estivera lá antes do sol se pôr ainda não havia chegado.
Sob o rosto de
sua mãe uma marca sombria e melancólica transpassava e naquele ambiente de
suspense a menina orava, soltando sussurros enquanto se questionava sobre o
jantar.
Do lado de fora, homens pouco
esperançosos observavam a mata que cercava o vilarejo, aguardando o improvável
com suas armas de ferro frio na mão e seus corações doloridos sob as roupas.
Foi assim até que o silêncio da
noite que tanto os consumia em suspense foi quebrado pelo farfalhar das
árvores, que expulsava os pássaros e os fazia tremer.
Com seus terços as mulheres
marcavam seus pulsos, chorando a cada tiro que escutavam, enquanto seus homens
tentavam sem sucesso interromper o avanço da massa cinzenta que subia pela
colina, saindo da grande mata em direção às suas crianças e mulheres.
Eram criaturas oriundas diretamente
do inferno! Mortos que andavam carregando seus próprios corpos, sem almas, sem
mentes. Eram cadáveres ambulantes que tiravam a calma da noite com seus
grunhidos macabros e assim subiam as colinas, levando aqueles mais corajosos
que se jogavam contra a massa, desesperados pela salvação de famílias
inocentes.
Sob o réquiem, fiéis se reuniam na
capela, trancando portas, orando repetidas preces. Ali, todos acreditavam que
aquele era o juízo final. Não havia como sobreviver. Aquela praga havia
consumido as grandes cidades e, assim como tombaram os grandes exércitos, a
cidade sumiria sob o fedor da putrefação.
Nas casas vizinhas, mães e crianças
seguravam as portas de madeira, tentando desesperadamente segurar os corpos que
tombavam pouco a pouco, levando com eles as casas.
Cristina havia sido colocada dentro
do armário, fechada pela sua mãe, que gritava maldições e pedia forças para
continuar impedindo os monstros de invadirem o recinto.
Do lado de fora, os poucos homens
que haviam tentado lutar e sobrevivido fugiam para suas casas, tentando
instintivamente salvar algum que fosse - de preferência, seus filhos...
E chegando à
porta de suas casas, os que ainda não rastejavam junto aos zumbis os
enfrentavam com machados, tentando afastá-los inutilmente.
Assim ocorreu com Jonathan, que
recuou até o outro extremo da cidade, na esperança de que os mortos ainda não
tivessem alcançado sua família. Ele não se perdoaria se algo acontecesse à sua
filha, à sua mulher.
E tropeçando entre os mortos, ele
passou pelos amigos infectados, pelo padre que atravessava a porta da sacristia
abandonando seus fiéis, correndo enquanto via o fogo que acendia se alastrando
pelos barracos humildes.
Aquele era o
último ato; todos sumiriam em uma fogueira de vivos e mortos, sendo soprados em
apenas cinzas, sem história, como havia ocorrido com Nova York, Paris, São
Paulo, Luxemburgo, e tantas outras.
Não, aquilo não poderia acontecer,
não com sua menina, não com ele. Não seria justo...
Em casa, Cristina ouvia a mãe
gritar... Já não eram mais ameaças ou maldições - eram gritos de desespero, que
se misturavam à fumaça que invadia as portas do armário. Gritos que faziam a
menina chorar, gritos que se tornaram gemidos, que se tornavam únicos à medida
que o calor subia.
Então os gemidos começaram a se
tornar pedidos de socorro quase mudos, e o coração da menina apertou. Embora a
ordem de ficar tivesse sido dada, não conseguia mais ouvir a mãe gritar.
Desesperada, ela
saiu do armário se esquivando das chamas que subiam pelas paredes, e quando
seus grandes olhos encontraram os de sua mãe, lágrimas caíram...
Sua mãe se contorcia, suas veias
haviam se dilatado e poucos eram os trapos que cobriam seu corpo. Ela babava,
sua pele era amarelada e doentia. Cristina queria abraçar sua mãe, queria dizer
que ela não estava sofrendo, que a amava, que a queria e que tudo iria acabar
bem.
Mas as coisas
não aconteceram assim... Sob os olhos da pequena aldeã, as unhas de sua mãe
tornaram-se pretas e a pele, já amarelada, tornava-se cinzenta na medida em que
presas eram expostas em sua boca agora imunda e deformada e sua mãe sumia,
deixando de amá-la para se tornar um bicho que a perseguiria.
E os ventos sopravam do lado de
fora. Um homem avançava perante os mortos vivos, abrindo caminho com uma
enxada. Sua casa queimava, mas ele precisava salvar sua família...
E ao mesmo
tempo uma mãe que sumia reapareceu implorando à sua filha, querida, amada, que
a matasse enquanto havia tempo.
Eram as poucas palavras conscientes dentre
outras tantas impossíveis de se entender. Um pedido doloroso, mas necessário e
que se concretizaria na medida que o facão sem sua mão cortasse pescoço de sua
mãe da pessoa que ela mais amava na vida.
Entre os espasmos de sua mãe
Cristina falou que a amava e que se importava enquanto erguia a arma e fazendo
o metal assobiar no ar ao mesmo tempo em que a parede caia espalhando chamas,
queimando a pele viva e a carne morta...
Aquele homem
que se jogava pelas paredes incendiadas procurava meio a fumaça sua filha, agora
caída, desacordada. Ele a segurou em seus braços, suja de um sangue grosso, de
um odor que se sobressaía à fumaça. Segurando-a, viu uma cabeça familiar dentre
os escombros e duas lágrimas umedeceram seu rosto. Ele entendia o sacrifício de
sua filha.
Chorando, ele abriu passagem pelo
fundo das casas, esgueirando-se pelos escombros, correndo por cima dos mortos
empilhados. Percorreu a fumaça, carregando sobre seus ombros sua pequena, tão
nova, até que chegou a estrada que saia da cidade. Mas aquele lugar estava obstruído, era um exército de
retardatários que caminhavam vagarosos na intenção de consumir o que pouco
restava da cidade.
Fugindo da
morte procurou outro caminho, e percorrendo a estrada se dirigiu ao poço da
cidade, rezando para ter sido o primeiro a pensar nisso...
O poço era profundo, encoberto por
um grande muro de cimento que o contornava, inatingível para criaturas
incapazes de escalar. Ele subiu, deixando a enxada para trás e colocou sua
filha sobre o elevador manual que descia até onde poucos pegavam água. Era
estreito demais para os dois. Ele amarrou a menina à corda para que ela não
caísse no poço, e a desceu, pedindo a Deus que sua filha tivesse forças para
subir depois, se ele não puder voltar.
Então, Jonathan olhou para os destroços inflamados. Havia outros para
salvar, havia outros que sobreviveriam, pois ele garantiria isso! Então,
elevado por um sentimento temerário, pegou seu facão, pulou sobre o muro do
poço e sumiu nas chamas.
Autor: Felipo Bellini Criação: 01/09/2008 Objetivo: Criação independente - Mundo Drama - Revista Acólitos - Revista: Nova Noite - Revista Caverna - Revista: Rock Brasil - www.ligadosfm.com
Obs: Este é um conto muito antigo, que não repaginei nem nada para postar aqui. Então me perdoem os prováveis erros de português e estilística. Nele, escrito aos meus 17 anos, tinha a intenção de fazer uma estória de zumbis mais dramática, me falem o que vocês acham!
Comentários
Os dois muito bem inspirados(rsrsrrs).Detalhes que tiram o fôlego, suspense que nos faz querer terminar logo para ver o final que se anuncia como trágico...Se bem que fiquei na esperança de um final feliz!!! Gostei muito! : )))