4º Ensaio Cultural: A Ilusão da Originalidade pela Rejeição da Tradição

Saudações, leitores! O post de hoje seria a parte final sobre os filósofos de Rossellini, mas como não tive acesso aos filmes para fins de revisão, deixo vocês com um post que estava programado para outro dia! Este tratará da "ilusão da originalidade pela rejeição da tradição". Acho que será algo interessante para vocês que estão acompanhando a série de ensaios culturais sobre Rossellini.

Pela minha geração, uma das coisas mais valorizadas é a tal da "originalidade", que nada mais é do que uma identidade distinta. É ser um "eu" diferente dos outros. É criar a diversidade. Isso para mim é muito engraçado. Essa obsessão por ser original, para mim, não chega a criar nada mais do que uma ilusão de originalidade. Na verdade, de "original" só podemos pegar a parte de "origem", para mostrar que isso é nada mais que chegar ao primitivo pela recusa do tradicional. Ser diferente pode ser bom e isso eu não nego, mas na maior parte das vezes não é e por isso não deve ser visto como um objetivo.

Vamos melhor explicar isso com exemplos reais. Conheço aspirantes a filósofos que se recusam a ler a tradição filosófica, simplesmente porque querem ter uma verdadeira originalidade no seu pensamento. O resultado, amigos, é surpreendente: eles conseguem, com muito esforço, chegar a conclusões que a nossa tradição filosófica já há muito tempo retificou e expandiu! Ou seja, ao recusar a tradição que ele sequer conhece, o aspirante a filósofo consegue de fato concluir sozinho coisas excepcionais. Coisas excepcionais que já foram pensadas antes pela mesma tradição que ele se recusou a conhecer.

Sócrates, do qual eu falei no meu primeiro ensaio cultural, recusava o modo de pensar do homem grego não porque ele se recusava a conhecê-lo, mas porque ele o conhecia muito bem. Era um homem experiente e muito sábio, que ainda assim dizia nada saber. E os socráticos Aristóteles e Platão, por muitos tidos como "pais" da filosofia ocidental, também não criaram todo aquele pensamento materializando-o como por mágica. Eles conheceram a fundo a tradição de pensamento grego e de outros povos para formarem seus sistemas filosóficos. O mesmo pode ser dito dos iluministas, que só puderam fazer sua contribuição inestimável ao pensamento ocidental graças à base construída pelos filósofos cristãos da mesma "idade das trevas" que eles tanto rejeitavam!

Pensem nisso quando estiverem vendo os filmes de Rossellini sobre os filósofos, lendo Logicomix ou simplesmente admirando a genialidade de um artista ou pensador: eles são geniais simplesmente porque fazem parte de uma tradição, não sendo inovadores sem método e sem o conhecimento dos antigos. Santo Agostinho rompe com muito do pensamento clássico, inclusive o de Sócrates, mas o conhece bem e é essencialmente herança dele. O mesmo pode ser dito de Descartes e Pascal, já na revolução científica, que tiveram de ter profundo conhecimento das ciências antigas para se tornarem inovadores como foram. Bertrand Russell, quando era somente um questionador das verdades matemáticas, em seu primeiro ano em Cambridge, ele era somente um questionador, não um pensador distinto, tendo ele sua genialidade aflorada somente depois de ter conhecido Leibniz e Boole.

T.S. Eliot já falava sobre esta relação entre tradição e talento individual em sua obra "Tradition and Individual Talent", em relação aos artistas. Para ele, nenhuma obra de arte se encontra no vácuo, mas em um contexto de várias obras de arte posteriores. Dessa forma, não deve ser tratada como uma criação individual pura. Eu sou um pouco mais radical que Eliot nesse entendimento: poderíamos estender essa relação a comportamentos individuais, conquistas científicas, políticas, etc. Vários fatos e métodos vão se acumulando. Os bons são mantidos e os maus são deixados para trás.

A tradição, portanto, não é algo uniforme. É uma acumulação de erros e acertos. Um único homem que se recuse a conhecer o que eram os tempos anteriores com o fim de se tornar único, no máximo chegará a velhas conclusões agora situadas na atualidade. Ou, no campo cultural, tornar-se-á um mero seguidor de modas sem a menor consciência disso. Como falei antes, isso de "original" só tem a parte da "origem".

Assim, é mister que todo aquele que pretenda ter um raciocínio crítico e saber o seu lugar no mundo conheça suas tradições e sua história. Aqueles que formaram nossa tradição não são pessoas ignorantes do passado, mas os responsáveis por estarmos aqui hoje e por termos tudo o que faz parte da nossa atualidade. São milhares de gerações que acumularam grande conhecimento que na atualidade se dissipou, pois o ensino que temos parte da mídia, das ideologias radicais e, sendo bem otimista, do (péssimo) sistema escolar que possuímos. Nenhum desses meios de educação nos ensina adequadamente a moral, que é a arte de viver. No máximo pode nos dar várias fórmulas de originalidade, que são abraçadas alegremente porque faz com que nos sintamos diferentes e, por isso, completos.

Isso tudo que eu disse significa que você deve ficar a repetir eternamente o que fizeram seus antecessores ou que você deva desvalorizar? Ora, claro que não! A nossa tradição também carrega seus erros. O que você não pode é simplesmente negar todas aquelas conquistas que levaram séculos para tomarem forma, pois este é o princípio pelo qual o mundo evolui. Porém, romper com a tradição nunca deve ser um objetivo. Se acontecer, deve uma consequência. Como dizia G.K. Chesterton, "tradição significa conceder votos à mais obscura de todas as classes: nossos ancestrais. É a democracia dos mortos. A tradição recusa submeter-se a essa arrogante oligarquia que meramente ocorre estar andando por aí".

Enfim, é sintoma de pura vaidade crer estar acima de um conjunto que mal conhece. Talvez seja uma necessidade profunda de atenção e aprovação... A verdade é que triunfa aquele que toma aprendizado da experiência de outros, além da própria e o que diferencia o pedante do sábio é reconhecer que diante de toda montanha de mortos, você é uma minúscula e estúpida formiga. Todos esses mortos teriam mesmo de ser todos muito estúpidos para serem, em conjunto, mais estúpidos que um único indivíduo que está vivo hoje em dia. Segundo Edmund Burke, "o indivíduo é tolo. A multidão, quando age deliberadamente, é tola. Mas a espécia é sábia e, se for dado tempo, ela sempre agirá corretamente". Igualmente a Burke, reconheço o caráter falho da natureza humana e a razoabilidade prática da humanidade no decorrer do tempo, embora dificilmente no momento.

Então, é à tradição que devemos dar a maior parte de nossa atenção, não a esses milhares de vanguardistas que estão andando por aí. Provavelmente, muitos antes deles pensaram de forma igual, e inclusive pensaram que estavam pensando algo novo. Em outras palavras, sempre prefira os conselhos da sua avó. Ela pelo menos não quer ser uma pessoa original pela qual você tenha eterna admiração e queira imitar. O que ela quer é sinceramente aconselhar você de forma sensata.

A originalidade não está em não ter influências ou em deliberadamente desconhecer o que outros fizeram. É aproveitar ao máximo essas influências e, junto a condições mais favoráveis, usá-las como ferramentas para construir algo notável. Afinal, negando a longa cadeia hereditária dos conhecimentos científicos, o modo mais original de fazer fogo é esfregar gravetos ou bater pedras. Eu tenho razões para acreditar que alguém que use estes métodos em nada está sendo inovador. E só está sendo original porque o faz como a humanidade fazia em suas origens.

Autor: André Marinho Criação: 22/01/2012 Objetivo: www.ligadosfm.com

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