12º Ensaio Cultural - Educando indivíduos

Saudações, leitores! Como estão este domingo? Venho falar hoje sobre como a didática voltada ao "amplo conhecimento" - que essencialmente só serve ao vestibular e, se muito, à vida profissional - tão presente hoje, é um tanto insatisfatória. Não quero dizer que seja inútil, porque cumpre bem o papel ao qual se propõe. No entanto, falha em um aspecto essencial da educação, que é o da formação do indivíduo, não como alguém cumprindo uma função, mas como um ser pensante e agente colocado no mundo, capaz de criar conhecimento e interpretá-lo, não somente de utilizá-lo. A pergunta "educar para quê?" para mim é menos relevante que "educar para quem?". À segunda pergunta eu não tenho dúvidas quanto à resposta: devemos educar para o discente!

É um tanto irônico que hoje, com uma taxa de analfabetismo muito inferior à do passado e uma educação superior tão democratizada, leia-se tão pouco bom conteúdo e haja uma taxa de gente perdida da vida como nunca se viu antes na história desse país (hoje a taxa está a 85%, diz o Instituto Brasileiro de Estatísticas Arbitrárias). Mesmo que se leia tanto hoje, é raro que se crie juízo independente às modas acadêmicas. Minha pergunta acima de tudo é: onde está a educação voltada ao ser humano, não à sua utilidade social?

Sou incapaz de responder a essa pergunta e estou certo que é mesmo algo difícil de se saber, por isso sinto que isso tem uma raiz forte que está tão profundamente enterrada que não podemos enxergar aonde vai. No entando, o tronco da árvore da ignorância está bem visível: o ensino superior nas ciências humanas, lamentavelmente, hoje é um instrumento de pura formação profissional - quando não pior, de formação ideológica! - e não de produção de conhecimento, como costumava ser. "Pensamento crítico" é um objetivo que gritam aos quatro cantos, e onde está ele de fato? Pelo que constatei por experiência própria, o tal do pensamento crítico é um conjunto de fórmulas feitas sem qualquer fundamento na realidade. Seu fundamento, ao contrário, está em categorias tão somente discursivas. Assim sendo, como podem os professores, que eles próprios passaram por esse ensino superior tão insatisfatório, conseguir formar um ser humano com capacidade de interpretar os fenômenos da realidade, eu realmente não sei. Sei que algum professor pode ele mesmo ir além, pois eu mesmo conheci professores que puderam superar esses limites e que merecem a minha admiração, mas, via de regra, não é o que acontece sempre.

"Como poderíamos mudar isso, André?", você me pergunta. Eu não tenho uma resposta definitiva, no entanto vejo uma retomada de conceitos clássicos da educação como uma opção válida. Não entendam isso como retomada às palmatórias ou à classe de aula quadrada e autoritária com um professor escrevendo ao quadro. Ratifico que isso não tem nada de clássico, sendo uma invenção bem recente. Entendam por clássico é tudo aquilo que se atém acima de tudo à essência das coisas, não ao espírito de uma época. Um livro, por exemplo, torna-se clássico não por ser autêntico representante da seu tempo; ao contrário: ele é representante, acima de tudo, do que transcende o seu tempo. Não ignoro que mesmo os clássicos representem também sua época, pois isso é inevitável (haja vista que o meio influencia as pessoas) mas eles permanecem na história, ao contrário dos demais, por ir além. Percebendo-se essa concepção de "clássico", fica mais fácil de entender que uma educação que transcendesse as necessidades do seu tempo, indo mais a fundo no indivíduo, seria interessante.

Uma opção que considero é a proposta do filósofo americano Mortimer J. Adler, que concebeu a chamada Educação Liberal, que visa a educação pelas artes liberais, que não buscam de forma alguma servirem de instrumento ou produzirem algo. A função das artes liberais é, ao contrário, a edificação do aluno enquanto um indivíduo pensante, não um indivíduo como um pertencente a um sistema. Na Universidade medieval, as artes liberais se dividiam entre o trivium (gramática, lógica e retórica) e o quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia. Foi nesta concepção que se inspirou Adler, embora não tenha tido qualquer intenção de substitutir totalmente nosso sistema educacional por outro. Em vez disso, a ideia é adicionar ao ensino tradicional características desse ideal. Os grandes livros do Ocidente, por exemplo, deveriam ser realmente lidos, em vez de discutidos com uma ótica do nosso tempo. O que se teria seria exatamente o contrário do que se tem hoje: em vez de lançarmos um olhar d0 nosso século sobre o passado, poderíamos usar um olhar atemporal como uma forma de compreender o mundo no qual vivemos.

Em universidades de alguns outros países (como Estados Unidos, Reino Unido, Hong Kong, países da UE, etc.) orienta-se as formações nas ciências humanas por este conceito de artes liberais, dando aos graduados em o diploma de Bacharel em Artes (Artium Baccarauleus) com uma formação principal e outra secundária. Dessa forma, você não se torna, de jeito nenhum, um simples técnico da literatura ou técnico da filosofia. Ao contrário: você adquire uma cultura geral com sentido em si, não na sua potencial utilidade. Você se torna, de fato, um indivíduo com conhecimento amplo das grandes ideias produzidas na nossa história, não de erudição ostentadora para filosofia de boteco.

Com professores formados por um sistema assim, tenho certeza que encontraremos uma educação básica de qualidade, pois os próprios professores foram formados sabendo contextualizar de forma satisfatória os conteúdos que irão ensinar, podendo inclusive refletir criticamente sobre eles e dispor dos conhecimentos necessários para que os seus alunos façam o mesmo. Assim, estendem-se os conceitos importantes da Educação Liberal ao ensino básico, o que é um grande avanço. É um avanço porque preparará consciências realmente críticas, não críticas através das fórmulas de hoje.

Decerto, não podemos pegar um sistema pronto e implantar no Brasil por cima de um já existente. Isso seria um ato insensato que por um longo período geraria um grande abismo didático. Por outro lado, abrir-se a esse modelo e permitir que suas características sejam absorvidas pelo nosso é um grande avanço. Não é uma solução definitiva, porém digo que é melhor que nosso sistema de hoje. Precisamos de algo além de técnicos ou vestibulandos preparados, pois de nada adianta a pura técnica quando lidamos com seres humanos. Lembrai-vos do Admirável Mundo Novo...

Ver também:

Artes Liberais (artigo da Wikipédia)

Center for the Study of the Great Ideas (organização fundada por Mortimer J. Adler)

Educação Liberal (dois textos de Lucas Mafaldo sobre Educação Liberal)

Autor: André L. R. Marinho
Criação: 25/03/2012
Objetivo: www.ligadosfm.com

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