13º Ensaio Cultural - Todo dia é dia da mentira!


Boa tarde, caros leitores. No 1º de Abril, tenho um tema bem apropriado para tratarmos hoje: mentiras! Não mentiras comuns ou mentiras de Primeiro de Abril, mas precisamente aquelas que jamais seriam seguidas de um "Te peguei! Primeiro de Abril!". Falo das "mentirinhas inofensivas", que em inglês têm até nome específico: chamam-se "white lies".

Quantas vezes não as ouvimos cotidianamente? "Estou chegando em cinco minutos", "Claro que eu não me importo!", "Não tem problema", "Adoraria, mas não posso", "Quanta gentileza a sua! Não precisava!", "Mais tarde eu volto para comprar", são apenas alguns exemplos. Claramente, a mentira está tão presente em nossas vidas que o Primeiro de Abril é apenas um dia em que nós reconhecemos publicamente algumas delas e nos divertimos c0m isso.

Mas, por que mentimos tanto? Bom, é fato que muitas pessoas sentem-se tão facilmente ofendidas que não há eufemismo que dê a polidez necessária a algumas situações. Então, o que fazer? Usar fórmulas de falsidade que tenham por objetivo o "bem comum", ou seja, mentiras que preservam a boa imagem do emissor e fazem com que o receptor não tenha uma reação indesejada. Podemos dizer que isso é uma hipocrisia saudável.

É fácil perceber que "cinco minutos" soa mais agradável que "quinze minutos". Dizer "estou chegando em cinco minutos" busca aliviar a impaciência de quem nos espera, não informar que estamos chegando em cinco minutos. A decepção por não estar a outra pessoa lá em cinco minutos é pequena e a impaciência só vem nos atacar uns dez minutos depois, quando a pessoa que esperamos já chegou.

Já imaginou como seria se, ao recebermos um presente que não gostamos, nós o dispensássemos em vez de dizer "Quanta gentileza a sua! Não precisava!"? Seria uma grande ofensa a quem o comprou com muita boa vontade, pois não há uma forma gentil de dizer "Não gostei do presente que você me deu, mesmo que tenha usado seu tempo e boa vontade para escolhê-lo" sem mentir. Mesmo "não era bem o que eu esperava, mas agradeço a intenção" soa pesado e é capaz de estragar uma festa. Então, dizer "Quanta gentileza a sua! Não precisava!" é a fórmula perfeita para não dizer que gostou nem que desgostou, porém não deixa de ser uma mentira por omissão.

É da nossa língua e da nossa cultura a mentira "do bem". Já tive a oportunidade de falar sobre o assunto com estrangeiros que estiveram no Brasil e eles me disseram que nós aqui somos pessoas muito agradáveis e simpáticas porque somos "white liars" incorrigíveis! Disse-me uma vez um americano que quando ele mal sabia falar português, conhecendo somente umas poucas frases e falando com sotaque bem carregado, diziam-lhe: "como você fala bem português!". Ele sabia que aquilo não era verdade e mesmo assim era repetido por vários brasileiros. Ficava em dúvida se eram os critérios deles para classificar "bom português" que eram pouco exigentes ou se os brasileiros estavam tirando um sarro com a cara dele. Nenhuma das alternativas era a verdadeira, como ele pôde observar com o tempo. A verdade é que diziam aquilo porque queriam agradá-lo. Com outras experiências, logo percebeu que nós somos de fato bons mentirosos - não do tipo que inventa mentiras maldosas ou depreciativas, mas mentirinhas inofensivas que têm lá a sua utilidade.

Como vêem, em quantidade de mentiras que diremos, este é um dia como qualquer outro. Todos contaremos muitas mentiras hoje, sendo a maior parte delas mentiras cotidianas, não as de Primeiro de Abril. Advirto, no entanto, para nunca dizerem "Primeiro de Abril!" depois de contarem mentiras sociais. Isso pode abalar uma amizade.

Autor: André Marinho
Criação: 01/04/2012
Objetivo: www.ligadosfm.com

Comentários

Joelma Alves disse…
André,

O pior não é a quantidade de 'mentirinhas' que ouvimos, mas sim a que dizemos, né? Acho que falamos tanto que já sai no automático...
Mas acho que prefiro o mundo assim, porque tenho certeza que eu iria detestar ouvir: "Não gostei do presente que você me deu, mesmo que tenha usado seu tempo e boa vontade para escolhê-lo".

=)