16ª Resenha Crítica - Admirável Mundo Novo




Olá, fiéis leitores! Vocês que acompanham minhas colunas certamente sabem que me preocupo com o estado das coisas na nossa cultura e como isso pode se refletir no futuro. Preocupa-me muito mais porque antes de eu nascer já estavam em discussão no livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, todas as características de uma cultura decadente como a da contemporaneidade. O livro é uma distopia, isto é, uma anti-utopia. Para saber mais sobre as utopias e distopias, releiam meu 5º Ensaio Cultural - Utopias e Distopias.

Os seis primeiros capítulos são uma introdução ao Estado Mundial, principal cenário da obra. Neles vemos estudantes serem apresentadas aos bastidores da sua sociedade enquanto esta é comparada ao velho mundo. Elas veem bebês em úteros artificiais, única forma de gestação possível, pois a família, bem como seus conceitos seus derivados, se tornaram estranhos, afinal todas as crianças são criadas pelo governo, não por estruturas familiares. Nascem em laboratório, são criadas em úteros artificiais e alimentadas com sangue artificial. São educadas por processos pavlovianos, recebendo reforços negativos para cada coisa indesejável, como livros ou flores - considerados inúteis, haja vista que afastam as pessoas de seu grande dever.

Numa fase posterior da educação, as crianças são forçadas a praticarem jogos eróticos umas com as outras, nunca passando muito tempo com um mesmo parceiro de brincadeira. Isso é um condicionamento prévio à promiscuidade, já que no Estado Mundial o sexo se dissocia totalmente da sua função reprodutiva e é recreação obrigatória. É certo que esse comportamento não supre as necessidades humanas, mas qualquer desconforto ou infelicidade se supera pelo uso de "soma", uma droga alucinógena e antidepressiva que é consumida indiscriminadamente.

A monogamia, tal como o romantismo, é totalmente reprovável socialmente. Estar por quatro meses se encontrando com uma única pessoa é um absurdo! Estar sem a companhia de outra pessoa a qualquer momento é igualmente impensável, tal qual em Anthem. A maior diferença entre Anthem e Admirável Mundo Novo neste aspecto é que no último há um condicionamento para esta tendência, enquanto em Anthem esta é mantida pela autoridade de um governo.

Neste mundo, inserem-se o psicólogo Bernard Marx (da casta Alfa) e a tecnicista de vacinação Lenina Crowne (da casta Beta). Ambos são desajustados. Bernard é um pessimista de estatura inferior à média da sua casta, tem crenças incompatíveis com a do seu mundo e sonha com uma sociedade em que ele passa se ajustar, embora por ela não lute ativamente.

Lenina não é suficientemente promíscua para a sua sociedade. Ela se relaciona exclusivamente com um único homem por vários meses, o que é um grande choque. Em um diálogo dela com uma outra personagem, ela revela que vai encontrar-se novamente com Henry Foster. Novamente! Ora, já se havia passado quatro meses que ela estava exclusivamente com Foster! Lenina não via necessidade de ninguém mais, porém as autoridades se opunham fortemente a tudo que fosse intenso ou prolongado.

Um terceiro desajustado, o mais fascinante dos protagonistas, surge posteriormente: John, o selvagem, nascido em uma reserva de selvagens, fora do Estado Mundial. De onde ele veio ainda praticava-se coisas "ultrapassadas", como o casamento, o nascimento natural, as tradições religiosas e a vida familiar. Por ser um estrangeiro, faz frequentes comparações entre o Estado Mundial e a Reserva dos Selvagens. John considera valores como a liberdade individual e a dignidade humana muito mais importantes que a felicidade ilusória do mundo civilizado. Isso nos faz pensar sobre muitos dos nossos próprios indígenas hoje, que quando vão para a cidade encontram apenas situações degradantes, quando o que buscavam era qualidade de vida.

O Selvagem faz frequentes citações do dramaturgo inglês, incluindo a famosa fala de Miranda em A Tempestade que dá nome ao título de Aldous Huxley ("Ó, maravilha! Quantas criaturas belas há aqui! Como é maravilhosa a humanidade! Ó, admirável mundo novo que contém tais pessoas!"). As citações do Selvagem são de extrema importância para a compreensão profunda da obra e os entusiastas de Shakespeare terão uma experiência fantástica em decifrá-las.

O livro, escrito no início do século XX, é um diagnóstico inigualável da contemporaneidade e do futuro próximo. O próprio Huxley assustou-se com a rapidez com que o Admirável Mundo Novo tornava-se realidade. Eu não vejo dúvidas que vivemos no mundo que ele previu. Estar sozinho em qualquer sentido possível é motivo para chacota, o que explica por que o "Forever Alone" é engraçado. A exaltação do "ser solteiro" como sinônimo de "ser livre", por poder ter vários parceiros sexuais sem dar satisfação a nenhum deles, está também por todos os lados: em músicas, nas redes sociais e nos discursos dos neomoralistas que consideram "não curtir a vida" o maior pecado. Por conseguinte, apegar-se a alguém é um mal: pula-se fora de um relacionamento com a mesma facilidade que se engaja nele. No nosso mundo, toma-se também "soma" diariamente para passar a tristeza ou o vazio interior, seja por receita médica (legítima ou falsa), por hábitos socialmente aceitos ou por atos "subversivos".

Não podemos, no entanto, culpar as pessoas por estas atitudes, pois é o espírito da nossa época que está doente. Eu próprio, confesso, já fui iludido que era desejável o Admirável Mundo Novo. O que nos resta enquanto seres dotados da razão - que é um poder - é resistir a esse espírito, exatamente como Bernard, Lenina e John. É por isso que Admirável Mundo Novo, mesmo escrito em 1931, é um livro tão relevante: suas discussões são de uma grande atualidade e fazem-nos refletir sobre os efeitos da tecnologia sem ética, da inversão de valores e do caráter aprisionador de uma moralidade libertina. Eu entraria em mais detalhes nesse assunto, mas isso alongaria minha resenha além dos limites que eu tolero. Deixemos isso para outro momento, na minha coluna Ensaio Cultural.

Admirável Mundo Novo, na excelente edição da Editora Globo, pode ser adquirido na Livraria Cultura por R$17,90 (R$14,32 para os participantes do programa +cultura).

Recomendo também a leitura de Regresso ao Admirável Mundo Novo, ensaio do autor sobre como seu livro Admirável Mundo Novo estava rapidamente se tornando realidade, a venda também na Cultura, por R$ 35,00.

Autor: André Marinho
Criação: 17/03/2012
Objetivo: www.ligadosfm.com

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