16º Ensaio Cultural - Análise dos Arquétipos em Os Vingadores




Olá, leitores! Como vão? Já foram ver Os Vingadores no cinema? Eu fui ver esta semana e adorei o filme.  É tão bom que deveriam admitir que este é um ótimo filme mesmo os que não gostam de filmes de ação, de super-heróis ou até mesmo de filmes americanos, preferindo (perdoem-me os hipsters) chatíssimos filmes franceses. Vi em Os Vingadores mais do que os super heróis dos quadrinhos na tela do cinema ou a porradaria comendo solta. Mesmo com poucos diálogos, encontrei complexas relações humanas e interessantes personalidades. O Ensaio Cultural de hoje analisará os arquétipos heróicos presentes no filme, isto é, os tipos de heróis presentes e como eles se relacionam a aspectos universais da humanidade.

 Antes de tudo, devo avisar que direciono meu ensaio a quem viu Os Vingadores, porque tratarei de alguns detalhes da trama e dos personagens no meu ensaio. Os que não viram, no entanto, também estão livres, desde que não se importem em ler spoilers. Isto não será uma resenha, de forma alguma. O que pretendo é analisar de forma sucinta os heróis um a um, bem como o antagonista Loki, atentando à simbologia de cada um.

Quando penso no Incrível Hulk, imediatamente vem-me à mente o Dr. Jekyll e o Sr. Hyde como equivalentes ao Dr. Banner e sua forma mostruosa. O próprio Stan Lee admite forte inspiração na obra de Robert Louis Stevenson. Banner, quando humano, é o que tem menos atrito com os demais vingadores, por ser o mais calmo dentre eles. Evita entrar em discussões e dá sua opinião somente quando é absolutamente necessário. Por outro lado, quando ele se irrita, torna-se o incontrolável Hulk. Há uma luta entre superego e id, doutor e monstro, razão e instinto. Do racional cientista, Banner passa ao artista da destruição. O que mantém o Hulk nas rédeas é o controle sentimental do cientista. Apesar de controlar sua emoção, revela Banner antes de se transformar em uma cena do filme: "eu estou sempre zangado". Como se vê, não é a raiva que o transforma no Hulk, mas sua externalização, que lhe dá uma grande força. Com o controle desta raiva, o Hulk mostra-se um aliado de valor, enquanto quando sem controle é uma ameaça e torna-se o estopim do que premeditava a separação dos vingadores no filme. Por outro lado, com sua raiva sob controle, ele se mostra um aliado sem igual para o time. O controle sentimental bem típico dos racionais é, portanto, a chave de vitória do Bruce Banner; é também o que faz dele, enquanto Hulk, um esmagador seletivo. A raiva só escapa em alguns momentos, como quando ele decide socar o Thor - certamente por causa de todas as coisas irritantes que ele lhe disse desde o início.

O Thor em suas ações muito lembra o grego Aquiles, herói furioso e valente guerreiro. Sem dúvidas, um idealista, com o temperamento mais inflamado dos Vingadores. Nos mitos nórdicos, era retratado como um poderoso guerreiro, forte e habilidoso em combate e com um forte senso de honra interior. Seu martelo, inseparável de si, jamais utilizado por outro, é o seu próprio caráter inquebrável e a sua grande força, algo que podemos ver ainda no filme Thor, quando o deus do trovão perdendo o seu martelo no exílio e torna-se um humano. É como se o deus fosse em si dependente do martelo para ser quem é, mas por outro lado nenhum outro poderia ser ele, pois seu martelo era algo exclusivo de si. Quebrando sua palavra, perde a honra e consequentemente o martelo. No mito nórdico "o roubo do martelo de Thor", nós o vemos muito irritado e sem vontade de fazer qualquer coisa enquanto não encontra o seu martelo. Esse elemento mostra-se conservado no filme.

Apesar de sua grande força e de sua honra, o deus do trovão sempre foi retratado nos mitos como alguém estúpido, sempre tomando decisões insensatas e caindo nos truques de Loki. Em Os Vingadores, isso acontece o tempo todo... Nos filmes, também não podemos dizer que ele é muito inteligente. Honrado, forte, bom e justo, sim. Mas cérebro não é o forte dele. Sendo um idealista, o que mais lhe importa é agir com boa consciência, mesmo que isso não seja o mais prudente. Assim sendo, é impulsivo, o que torna especialmente complicado conciliá-lo com o Capitão América e com o Homem de Ferro, que mantém uma prudência que ele não possui. Esta impulsividade é mais forte no filme Thor, em que ele perde o direito trono e é banido de Asgard por irresponsavelmente atacar Jotunheim por acreditar ser a coisa certa a fazer. Em Os Vingadores, uma cena que também põe em evidência com esta característica é a sua primeira aparição, quando ele joga Loki do avião e o ataca em seguida. Essa ação imprudente leva-o a entrar em conflito com o Homem de Ferro e com o Capitão América logo que se encontra com eles. 

Tony Stark é um racional um pouco diferente do espiritualizado e introvertido Banner. O Homem de Ferro é um cientista original, cético e individualista, anti-herói por excelência. Seu código moral é pessoal e depende dos seus interesses e caprichos. A relação entre Stark é especialmente complicada com Thor e Capitão América, o guardião e o idealista, haja vista que o primeiro visa o bem da coletividade e o outro age de acordo com seus ideais, enquanto o ele é individualista ao extremo e age de acordo com o que vai ajudá-lo a atingir seus objetivos, acima de qualquer regra ou convenção. De todos os heróis, é um dos mais "fracos" quando está em sua verdadeira identidade. Ele depende dos frutos do seu trabalho para ser um super-herói. Sua engenhosidade, sua armadura e o Torre Stark são as grandes muralhas que protegem o homem que é Tony Stark. Enquanto isso, o Hulk tem a força em si, Thor com seu inseparável martelo também, o Capitão América foi criado como um soldado perfeito e a Viúva Negra e o Arqueiro são bons em soluções rápidas. A armadura do Homem de Ferro é o que faz dele um invencível herói capaz de feitos admiráveis. Em outras palavras, o dinheiro e sua genialidade são seus superpoderes. Sem as suas coisas, ele é capaz de produzir algo maravilhoso dado algum tempo, mas não de trazer soluções prontas e imediatas. "Homem grande com uma armadura. Sem isso, o que sobra?", já perguntou no filme o Capitão América. Ele tem razão até certo ponto. Apesar de ser materialista e egoísta como já foi mencionado, o Homem de Ferro mostra também um lado capaz de sacrifícios por outros, ao entrar no portal com o míssil que destruiria Nova York sem saber se sobreviveria para contar a história. Fica, porém,  uma dúvida: será que Tony Stark não queria apenas salvar a Torre Stark, trabalho de sua vida, que ficava também na cidade? 

Contrapondo-se ao materialista Homem de Ferro, temos o soldado perfeito: o Capitão América. Sem dúvidas ele pertence ao arquétipo do guardião. Ele já surge como o Capitão ao se submeter a um experimento que o transformaria no soldado perfeito, uma arma de guerra para ajudar a sua pátria. O patriotismo e o altruísmo do herói fazem dele um herói que põe o seu dever acima de tudo. Seu dever está de tal forma elevado que ele enquanto pessoa não tem uma personalidade tão marcante. Marcante mesmo é o seu senso de dever e seus valores morais - bem acima dos de todos os demais Vingadores. Ele é, de todas as formas, o soldado ideal, símbolo do poderio militar americano com os valores da sua nação - e por isso torna-se mais um símbolo do que uma pessoa. Não podemos deixar de mencionar o fato de o Capitão ser um Rip Van Winkle (tido também como um "herói americano") em outro contexto histórico. Se na história do Washington Irving o protagonista dormiu por 20 anos e acordou após a Revolução Americana, o Capitão América dormiu depois da II Guerra Mundial e acordou setenta anos depois, tendo perdido todo o furor da Guerra Fria e outros acontecimentos históricos marcantes. O que ele também perdeu foi a  decadência cultural e moral americana. Creio que foi absolutamente oportuno que ele, patriota e moralizado, tenha voltado 70 anos depois com os mesmo deveres e princípios que nortearam os fundadores do seu país. Não vi o filme do Primeiro Vingador para saber isso em mais detalhes, mas agradeceria se alguém me falasse o que o Capitão pensou especificamente sobre a situação cultural do seu país setenta anos depois.

Pode-se notar que o contraste entre Capitão América e Homem de Ferro é o mais forte de todo o filme. Um construiu sua fortuna para se tornar um herói por conta própria, enquanto o outro foi criado pelo governo para vencer uma guerra. Um é individualista por natureza, enquanto o outro é altruísta. Capitão América age de acordo com o que é certo e o que é seu dever, enquanto o Homem de Ferro age de acordo com a sua vontade. Um é sério e o outro é irônico. E não param por aí as oposições...

Para terminar a análise dos heróis, chegamos aos dois mais práticos dentre eles: a Viúva Negra e o Gavião Arqueiro. Para mim, eles são dois artistas. A maior diferença entre os dois é a distância do seu ataque. Ambos confiam basicamente nos seus sentidos e fazem o que sabem melhor com uma incrível precisão, fazendo do combate uma obra de arte. Isso é especialmente verdadeiro quando a Viúva Negra derrota três homens armados enquanto ainda amarrada numa cadeira e quando salta sobre o escudo do Capitão para alcançar o veículo voador de um dos invasores da Terra; o Gavião Arqueiro, por sua vez, mostra grande artimanha ao atirar uma flecha explosiva em Loki, que a segurou em vão, pensando se tratar de uma flecha comum. O combate, para estes dois, não é uma questão de estratégia, mas de arte; é agir de forma engenhosa na situação que está à sua frente. O elemento que diferencia os dois é que enquanto a Viúva Negra é sistemática e estrategista, dando conta de todo um número de variáveis, o Arqueiro age pontualmente. Eles vivem tanto no presente que o passado é visto somente como algo a ser superado, nunca como um ponto de partida. Desta forma, são ambos artistas, dionisíacos, porém solitários. O que faz deles um casal perfeito é que nenhum dos dois sente necessidade de desculpas ou de satisfação do outro, entendendo perfeitamente os seus erros. Um apoia totalmente o outro e agem em perfeita harmonia quando juntos.

Por fim chegamos ao vilão do filme: Loki. Na mitologia nórdica, ele é um enganador nato e dentre os deuses o maior semeador de discórdia. Nos filmes da Marvel, este conceito é mantido e ampliado, tornando-o um exemplo autêntico de Trickster. Loki conhecia as diferenças entre os vingadores e trabalhou para que estas os colocassem uns contra os outros. Seu plano, aliás, funcionou perfeitamente. Há um outro lado dele que vale salientar e acrescenta ao personagem dos mitos, que é o lado vingativo fortemente presente no personagem (contra seu pai Odin e contra seu irmão Thor). Desde o filme Thor, no qual conspira para tomar o trono de Asgard e colocar o mundo dos deuses contra seu irmão, ele é muito mais do que um criador de caos: é um orgulhoso ursupador, um princípe maquiavélico movido pela vaidade e pelo desejo de poder. Mostra-nos Jacob Buckhardt em A Cultura do Renascimento da Itália príncipes italianos com comportamento semelhante ao do Loki, em especial César Bórgia, tido por Maquiavel em O Príncipe como um modelo de estadista. Mais que adquirir poder, ele precisa demostrá-lo e impor-se, pois Loki é um grande artista da destruição, tal qual o Coringa do Batman (este muito mais bem sucedido que o asgardiano). Cada aparição do irmão adotivo de Thor visa antes de tudo um espetáculo: quando ele invade uma festa, muito bem vestido, para começar a sua dominação e ordena que todos se ajoelhem diante dele, temos uma incrível exibição da sua arte caótica e seu autoritarismo. Um outro momento em que ele deixa isso bem claro é ao ser inquirido por Thor sobre sua visão dos seres humanos, quando Loki diz que os vê como inferiores. Ele, no entanto, fracassa em seu projeto artístico e político. A autoridade e a honra dele mostram-se ilegítimas em poucos segundos por uma surra do Hulk, a quem o deus disse estar em um nível muito inferior ao dele. (Eu bati palmas nessa cena.) Com a derrota de Loki, seus planos só têm sucesso, a curto prazo, como desestabilizador da ordem, mas não como estabelecedor de uma nova ordem, porque a natureza enganadora do irmão do Thor é inegável, mas sua vocação para o poder é duvidosa até a última gota.

Enfim, podemos ver como Os Vingadores é rico em símbolos universais, o que contribui para sua grandeza e culminou com uma grande bilheteria nos cinemas em que estreou. O cultos aos heróis é algo que dificilmente se dissociará da humanidade. Estes, tão bem representados e tipificados no filme fazem de Os Vingadores um clássico que mesmo daqui a cinquenta anos poderá ser assistido sem prejuízo de apreciação.

Keirsey Temperament Website - Site em inglês no qual você pode ler mais sobre os quatro temperamentos e fazer o teste para descobrir em qual você se encaixa.

Avengers no Squidoo - Leia gratuitamente no Squidoo os quadrinhos dos Vingadores. (Em inglês.)


Autor: André Marinho
Criação: 06/05/2012
Objetivo: www.ligadosfm.com

Comentários

Joelma Alves disse…
Oi, André.
Muito bom seu texto, também pensei em muitas dessas coisas enquanto assistia o filme. O thor é meio 'bobão' mesmo, sempre caindo nos truques do Loki (o próprio Liki chama atenção para esse detalhe no filme). O Capitão América é meu ídolo! rs