17º Ensaio Cultural - Uma Defesa da Literatura Fantástica

Olá, caros leitores. Tudo bem? Atrasei novamente minha coluna devido a algumas coisas que precisei terminar neste final de semana. Tempos futuros serão melhores para minhas elas (pelo menos assim eu espero!) e para o meu tempo. Hoje farei uma defesa da literatura fantástica, maravilhosa e irrealista contra os seus críticos obcecados por realidade. Não pretendo fazer aqui uma crítica da literatura realista, pela qual tenho grande admiração. Milhares de vezes eu ouvi discursos como "não gostei daquele filme porque não é realista" ou "esse livro é ruim porque na vida real as coisas não são desse jeito". Respeito muito a perfeição pela qual conhecem o mundo aqueles que afirmam tais coisas. Apenas gostaria de relembrar que o grau de realismo não mede de forma alguma a qualidade de uma obra literária. 

É impossível levarmos ao extremo, sem que entremos em contradições, a afirmação de que a boa literatura é aquela que representa a realidade. Isso porque mesmo a literatura realista, imitativa como qualquer outra, é ficção. A realidade é imparcial e cheia de detalhes que não podemos representar em sua totalidade se a colocarmos em palavras. Se a literatura realista é melhor por ser semelhante realidade, então nenhuma literatura vale a pena ser lida - afinal, a realidade está ao nosso redor. Platão tinha tal visão, pois dizia que a ficção falha como imitação da realidade sensível, que por sua vez não nos mostra a realidade essencial (o mundo das ideias). Eu reconheço a veracidade do que diz Platão, mas penso-a em sentido contrário ao que os banidores de poetas fariam. Seguindo Aristóteles, reitero que a ficção é superior à historiografia por não falar dos fatos como aconteceram, mas de coisas que poderiam ter acontecido.

Vamos agora analisar uma outro proposição, de que a literatura realista é melhor por ser uma forma de melhor compreender a realidade. Bom, as ciências que tentam nos fazem compreender a realidade. O ficcionista do realismo, ao se dar o papel de um cientista ou jornalista, escolhe um objeto a ser representado. Essa escolha, por si só, representa um julgamento de valor e é frequentemente a razão pela qual o realismo é indissociável da crítica social e da sátira, afinal evidencia alguns aspectos da realidade acima de outros porque nos quer o autor chamar a atenção. Os melhores realistas, portanto, não são aqueles que são mais fiéis à realidade; são os tiram dela o essencial para a sua construção artística. Isso eles fazem com perfeição e para isso tiro o meu chapéu. Mas não é muito mais viva e real a descrição de Tolkien das suas florestas da Terra-Média que uma descrição de floresta por um realista? "Mas, ora, aquela floresta não existe e cada leitor a imagina de uma forma diferente. Árvores que andam e falam não existem!", podem me responder. Estas questões são completamente irrelevantes. O que acontece na literatura é aquilo que precisa acontecer, não o que seria óbvio que acontecesse em nosso mundo.

Afirmam os apologistas da realidade que não podemos tornar a literatura uma arte das possibilidades, pois ela nos distancia do mundo real. Afirmar que relevante somente é a literatura que representa o real nos levaria a concluir que se fantasmas não existem, não há sentido em assistir Hamlet. Se não há dragões, também não preciso ler nenhuma história que os apresente. Até mesmo jamais poderia ler Os Irmãos Karamázov, uma grande joia da literatura mundial, pois a família em questão jamais existiu. Isso já mostra que a ficção não tem intenção alguma representar a realidade tal como ela é, isentando-se de julgamento. Se assim fosse, a literatura não seria literatura - seria mais uma pseudociência. A verdade que nos quer comunicar a literatura é subliminar, discreta, percebida não na frieza das palavras, mas no que há de mais quente nelas. Assim sendo, por que não abusar da fantasia e falar de coisas que não existem? Como diria G.K. Chesterton conforme citado por Neil Gaiman, "contos de fadas são mais que verdadeiros, não porque dizem que dragões existem, mas porque nos dizem que eles podem ser derrotados." É óbvio para quem vive no mundo da fantasia - mesmo que não digam isso explicitamente - que dragões são mais do que simplesmente dragões. Eles são dragões, obviamente, mas também são símbolos de muitas outras coisas.

Diante do exposto acima, temos muitas razões pela qual os romances ditos realistas jamais serão tão fortes em valores como a fantasia e dificilmente um livro que represente a realidade pura e simples nos marque tanto quanto O Senhor dos Anéis ou o seu sucessor em nossos tempos. Aprendemos com ele não que existem reis tão dignos de veneração como Aragorn. Em verdade, temos um modelo de rei que gostaríamos de ser e que gostaríamos de conhecer na realidade, pelos seus feitos heroicos e pelos valores que consegue encarnar mesmo em um mundo em guerra e atacado por criaturas horrendas como os orcs. Heróis como Aragorn são a personificação do que há de melhor na humanidade e de como se pode ser grandioso se assim desejar, mesmo na pior das condições. Os anti-heróis, ao contrário, são fracos num mundo sem grandes acontecimentos. Isso faz com que várias pessoas se identifiquem com eles, pois o homem moderno é um anti-herói por excelência. Novamente nas palavras de G.K. Chesterton, "O conto de fadas discute o que o homem sensato fará num mundo de loucura. O romance realista sóbrio de hoje discute o que um completo lunático fará num mundo sem graça". Eu vou mais além, o lunático que mergulhar no romance realista sóbrio sairá dele mais lunático.

A citação acima me faz pensar em algo que vejo tomar mentes de pessoas com grande frequência: a possibilidade de um apocalipse zumbi. As chances de um acontecer de verdade são remotas e todos, mesmo os fãs de histórias de zumbis, sabem bem disso. Todos os zumbis - considerando que eles já estão mortos - apodreceriam sob o sol em poucos dias e logo nos veríamos livres da desgraça. Mas, no mundo fantástico as coisas não são assim, pois as leis que regem aquela realidade são, propositalmente, outras. Os zumbis são não pedaços de carne que apodrecem no sol, mas uma praga que toma cidades, estados, países e, não raras vezes, o mundo inteiro. Com a humanidade em crise, vê-se a necessidade da união pela sobrevivência. Na discussão sobre tal sobrevivência, os Zumbis são uma questão periférica; não é sobre os zumbis que os fãs do gênero costumam falar. Eles falam muito mais sobre as armas que usariam, quem seriam seus companheiros, onde se esconderiam, como conseguiriam se alimentar, etc. O mundo em que existem zumbis, como podemos observar, é um mundo de loucura em que tudo que você precisa é ser sensato. Afinal, zumbis são apenas zumbis ou são algo mais?

Espero ter feito uma boa defesa. Agora é hora de ver o meu Game of Thrones para exercitar mais o lado fantasioso do meu cérebro. (Se você me disser - ou pensar em me dizer - que não existe "lado fantasioso do cérebro", peço para ler novamente o meu ensaio.) Até mais e uma boa semana para vocês.

Autor: André Rodrigues
Criação: 21/05/2012
Objetivo: www.ligadosfm.com

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