27ª Resenha Crítica - Imposturas Intelectuais





Que a filosofia tem se tornado cada vez mais sem sentido, contraditória, cheia de jargão científico e  categorias vazias não é nenhuma novidade. Nesse cenário, surge o livro Imposturas Intelectuais, no qual Alan Sokal e Jean Bricmont desmascaram o abuso da ciência por pensadores pós-modernos.

O físico Alan Sokal já é conhecido pelo "caso Sokal" de 1996. Nesse episódio que protagonizou, Sokal enviou o artigo-embuste “Transgressing the Boundaries: Towards a Transformative Hermeneutics of Quantum Gravity” (Transgredindo as Fronteiras: em Direção a uma Hermenêutica Transformativa da Gravitação Quântica) para a Social Text, revista acadêmica de estudos culturais de viés "pós-moderno". Em seu artigo nonsense, Sokal ironicamente defendia a tese que a realidade física objetiva é somente mais uma construção social e linguística que reflete ideologias dominantes e relações de poder e portanto precisamos de uma "ciência liberatória" que liberte os seres humanos da tirania da realidade objetiva e da verdade absoluta. Apoiando a sua "tese", pegou as mais tolas citações de acadêmicos sobre física e matemática - todas reais, nenhuma inventada. Com esse artigo absurdo, o físico queria testar se um fashionable nonsense que apoiasse a ideologia dos editores seria o suficiente para uma publicação. Pasmem: foi o suficiente, sim!

O que Sokal deliberadamente fez é o mesmo que vários filósofos reconhecidos cometem diariamente. A única diferença é que aqueles recebem reconhecimento ao publicar o nonsense. Tendo isso em vista, Sokal e Bricmont analisaram alguns abusos da ciência por acadêmicos bem conceituados. O "abuso da ciência" é definido no livro como "1. Falar absurdamente de teorias científicas sobre as quais se tem, na melhor das hipóteses, uma ideia bastante confusa. [...] 2. Importar conceitos próprios das ciências naturais para o interior das ciências sociais ou humanidades, sem dar a menor justificação conceitual ou empírica. [...] 3. Ostentar erudição superficial ao atirar na cara do leitor, aqui e ali, descaradamente, termos técnicos num contexto em que eles são totalmente irrelevantes. [...] 4. Manipular frases e sentenças que são, na verdade, carentes de sentido".

O objetivo de Imposturas Intelectuais não é o de desmerecer a filosofia, as humanidades ou as ciências sociais como um todo, nem a íntegra do trabalho dos acadêmicos analisados; muito pelo contrário, é o de manter estas áreas livres dos embustes pseudocientíficos de quem fala com autoridade de assuntos que não conhece para justificar teorias que não fazem sentido, somente porque estas favorecem determinada ideologia. Portanto, não é uma crítica direcionada pessoas específicas ou a uma classe de pessoas e sim a práticas desonestas comuns nos meios acadêmicos que tanto contribuem para a decadência das ciências humanas e o triunfo do ideologismo e do fashionable nonsense.

O famoso psicanalista Lacan tem uma obra fortemente marcada pelas referências à matemática e à topologia, tão obscuras porque parecem de pequeníssima relevância. As tentativas de matematizar a psicanálise, se é que Lacan objetivava fazer isso, foram em vão, pois tal "matemática" não tem como desempenhar um papel importante numa análise psicológica. Comentam os autores sobre um trecho de uma conferência de Lacan: "Talvez o leitor esteja se perguntando o que estes diferentes objetos topológicos têm a ver com a estrutura da doença mental. Bem, nós também; e o restante do texto de Lacan nada esclarece sobre a matéria".

Seguindo Lacan com a matemática e a topologia para a psicanálise, a feminista Julia Kristeva é criticada no livro pelos seus trabalhos de linguística e semiótica dos anos 70, pertencentes, segundo os autores "aos piores excessos do estruturalismo". O capítulo sobre ela mostra as milhares de contradições, imprecisões e enunciados carentes de sentido nos quais cai a acadêmica ao tentar usar, por exemplo, a teoria dos conjuntos como ponto de partida de uma teoria social.

A dupla dinâmica Deleuze e Guattari também não escapa ao olhar de Sokal e Brickmont. A obra de Deleuze é de fato muito difícil de entender. Alguns defenderão que a dificuldade é uma questão de complexidade e profundidade que poucos conseguem captar. A análise da equipe de Imposturas Intelectuais, no entanto, nos traz diferentes conclusões: "verifica-se que existe uma grande concentração de termos científicos empregados fora do contexto e sem uma lógica aparente, pelo menos se se atribui a eles seu significado científico habitual. [...] Estamos bem conscientes que o objeto de Deleuze e Guattari é a filosofia, não a popularização da ciência. Contudo, que função filosófica pode ser preenchida por esta avalanche de jargão científico (e pseudocientífico) mal digerido?".

Depois de examinar vários casos de impostura intelectual, o último exame tem por objeto o artigo-paródia produzido por Sokal. Qualquer semelhança com os textos dos pensadores que foram observados nos capítulos anteriores não é nada senão uma coincidência proposital, devidamente arquitetada pelo físico ao elaborar o seu pseudoartigo.

Esse manual para desmascarar charlatões acadêmicos foi elogiado por diversos intelectuais, entre os quais Noam Chomsky, que considerou Imposturas Intelectuais "uma contribuição oportuna e substancial". Contudo, esse ousado estudo também sofreu críticas: Kristeva considerou o livro "um produto intelectual e politicamente insignificante", enquanto Derrida disse somente "pobre Sokal". Ambas as citações, que são verdadeiras, figuram a contracapa como uma grande ironia.

É um trabalho sem dúvidas polêmico, divertido e de discurso coerente. Imperdível. Qualquer pessoa que tenha interesse em filosofia e ciências humanas precisa conhecer  Imposturas Intelectuais, pois, se até mesmo autores de renome internacional mostram atitudes assim, é necessário que nos vacinemos contra os males da filosofia pós-moderna que usa e abusa de discursos sem sentido construídos sobre alicerces pseudocientíficos.

Autor: André Marinho
Criação: 29/07/2012
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