Ensaio Cultural - Novamente as Utopias

Quem acompanha minha coluna há um certo tempo deve se lembrar que falei sobre utopias no meu 5º Ensaio Cultural e já resenhei algumas distopias (Anthem, Admirável Mundo Novo e A Revolução dos Bichos). Espero que não estejam cansados da minha insistência nesse tema, porque eu pretendo retomá-lo quantas vezes eu vir necessário, haja vista que este é um campo de estudo que muito me interessa. Modéstia a parte, já é minha especialidade antes que eu me torne especialista. Hoje me limitarei a contar brevemente o desenvolvimento histórico da tradição literária utópica. Por ora não analisarei os fatores sociais nem entrarei em detalhes quanto à estrutura da literatura utópica, exceto onde se faça extremamente necessário. Limito também meu escopo à ficção utópica, excluindo os complexos tratados socialistas utópicos, sobre quais também pretendo escrever um dia nesse blog.

Uma primeira linha da tradição literária utópica, inaugurada pela República de Platão, segue uma estrutura de diálogo. Em A República, esse diálogo tem Sócrates e vários atenienses e estrangeiros como interlocutores em uma discussão sobre a Justiça, todas mostradas defectivas. Para mostrar, então, uma melhor definição de Justiça, Sócrates fala sobre a cidade imaginária de Kallipolis como a perfeita incorporação do Bem e da Justiça segundo definidos no diálogo. A coisa começa a complicar nesse caminho.

Na interpretação de Hans-Georg Gadamer, a utopia esboçada por Platão é heurística. Isto é, busca mostrar as consequências de determinadas ações caso sejam seguidos rigorosamente determinados princípios. Tal interpretação toma as formulações de Sócrates como irônicas, pressuposto seguido também nas interpretações de teóricos como Leo Strauss e Allan Bloom. Dessa forma, A República pode também ser interpretada como uma distopia. É essa a minha própria interpretação, embora seja também a menos óbvia em uma leitura precipitada. Karl Popper considera que a intenção da obra era esboçar princípios políticos e portanto critica A República como uma obra inimiga da sociedade aberta. Hegel, por sua vez, considerou A República uma tentativa reacionária de preservar a Grécia das inovações políticas.

Todas essas interpretações, entre diversas outras, podem ser ampliadas e colocadas em um quadro para a classificação e interpretação das formas ficcionais utópicas. Portanto, para a leitura da tradição utópica, o ponto principal da influência de A República nas demais utopias não tem por como ponto importante a intenção de Platão. O que absorverão é a estrutura dialogal e a existência de um local idealizado.

Absorverão , surgem A Utopia de Thomas More, Nova Atlântida de Francis Bacon e A Cidade do Sol de Tomasso Campanella.

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