35º Mundo Cão - A Falsa Convicção Sobre Ensino Público e Ensino de Qualidade


Insisto em dizer que mais do que 50% dos problemas de uma organização ou de uma instituição, no que dizem respeito ao seu funcionamento, está direta diretamente ligado à esfera executiva. Quem executa tarefas finais tem também suas responsabilidades e sua parcela de culpa no cumprimento do do seu papel, quanto organização. A execução é o problema e não planejamento, necessariamente.

Planejamento é a equação do problema, ainda que, por hora, tudo saia bem diferentemente do planejado, bem diferente do “2 + 2 = 4” como pregam as ciências exatas. Nem tudo termina por sair conforme o planejado ou nem todas as etapas do planejamento o são seguidas ou obedecidas como devem. Por hora, nem tudo o é executado.

É o que acontece na educação. Não é incomum encontrar pessoas que concluíram o ensino básico em uma escola pública e que sejam donas de um perfil pouco condizente com o seu grau de instrução. Ela não capitou suficientemente a mensagem repassada pelos professores nas horas de sala de aula, lá na escola pública onde ela mesma estudou, ou algum revestrés aconteceu no meio do caminho... Pode até parecer que ela própria, inerentemente, o seja incapaz de absorver discursos mais complexos, teses científicas ou colocações as quais orientam um cidadão a compreender e interpretar o mundo à sua volta.

Mas, é falar demais julgar a capacidade de conexão entre os neurônios de um indivíduo...

Vem cá! Alguém parou para pensar que o problema não necessariamente pode estar nesta extremidade da corda, ou seja, no público final (a capacidade de aprendizado do alunado)? Ou mesmo, na ponta da pirâmide administrativa da gestão pública de ensino, tal qual muitos acusam? Quero dizer, será que os professores estão filtrando como devem o produto final do seu trabalho? Sim, pois esse produto final de que falamos aqui chama-se aluno... Mais tarde, um cidadão brasileiro, que terá seu emprego, pagará impostos e elegerá seus líderes talvez não tenha o discernimento adequado para avaliar a conduta de seus governantes (a ponta da pirâmide de que falei há pouco...).

Tive a oportunidade de verificar o modo como os alunos da rede pública de ensino (estadual, aqui no Rio Grande do Norte) são avaliados por parte de alguns professores e, infelizmente, tristeza não é a palavra menos adequada. A começar com a tática adotada pela direção de algumas escolas, de burlar um sistema que visa o utilitarismo, porém, a eficiência do sistema educacional, quanto maior o nível de evasão de alunos em uma determinada unidade de ensino e ou menor a quantidade de matrículas realizadas, maior será a probabilidade de aquela mesma unidade ter suas portas fechadas e o seu funcionamento cessado. Isso mesmo! E, como consequência, seus colaboradores (professores e funcionários) serem remanejados para outra unidade escolar.

Existem interesses peculiares entre esses colaboradores de manter suas unidades em funcionamento e o modo mais eficaz de se conseguir tal é aumentando o número de matrículas ao passo que diminuindo a quantidade de alunos evadidos. Até que se verifique a distribuição de notas e frequências nas cadernetas de modo a viabilizar a aprovação do alunado e de dar motivação para que ele continue os seus estudos e mantenha-se matriculado (muito provavelmente naquela mesma escola onde já estudava desde antes), isto tudo, a fim de manter as metas da educação no que conferem ao crescimento em “n” pontos percentuais no número de alunos alfabetizados, aprovados nas séries do ensino básico e que concluíram todo o ciclo de sua educação primária e secundária, que vai até o terceiro ano do Ensino Médio, essa realidade, que parece mais um conto de fadas que se transformou em verdade absoluta, não passa de uma peneira que se serve de sombrinha para um sol escaldante do meio dia.

Aumentamos, sim, os nossos alfabetizados e compatriotas com o Ensino Médio completo, mas, será que eles têm o mínimo discernimento aceitável para entender que consequência é produto de causa? Dói ver um cidadão com nota “7,0” ou “8,0” no seu boletim de Física, quando o mesmo sequer sabe que Peso = Massa X Aceleração da Gravidade (P = m.a)... Isto, sem falar nos demais que prestam vestibular com o mínimo conhecimento sobre Química Orgânica, Física Quântica, Geometria Analítica e de conjugações verbais no Pretérito Perfeito. Será que esse esforço todo de manter uma unidade escolar aberta e funcionando, ainda que ineficientemente, atende necessariamente o interesse coletivo de levar educação pública e de qualidade para a sociedade?

Sabe, isto não se trata de falta de qualificação ou de boa vontade dos nossos professores. Tal não vem ao caso quando as condições salubres de trabalho a que se submete a classe são desanimadoras ou quando ela se vê diminuída frente à outras classes de servidores com “menor” grau de importância junto à sociedade. Ainda que cada um tenha a sua devida importância, olhar para a educação não significa vislumbrar um paraíso controlado por números ou por profissionais perfeitos.

Como assim? A manobra institucional existe, sim, a começar pelos Diretores das escolas que pedem aos seus professores “aquela forcinha” para aprovar aqueles alunos menos disciplinados e com as mínimas condições possíveis para seguir as séries à frente; a começar pelas secretarias das escolas que empurram aluno a dentro das salas de aula, entupidas, por sinal, sem qualquer critério averiguativo sobre as condições acadêmicas daquele aluno novato. Isto, sem falar da inexistência de acompanhamento adequado junto aos “retardatários” ou com dificuldades...

Não estamos falando, necessariamente, daqueles profissionais que se ausentam do seu posto de trabalho ao bel prazer próprio, beneficiados por uma legislação que torna o funcionário público parte de uma elite crescente neste país. Sim, o sonho do emprego no serviço público, com a estabilidade vitalícia proporcionada pelo modelo burocrático de gestão e com a política da “boa vizinhança” junto aos colegas de repartição, substituiu o de ser um empreendedor de sucesso, milionário e dono de propriedades. Tem uma pesquisa realizada pela FGV que fala sobre isto e o crescimento deste sentimento de realização junto aos jovens de hoje tem crescido na casa dos dois dígitos.

A educação não é o Bataclã da obra Gabriela, Cravo e Canela, do saudoso Jorge Amado, um puteiro de portas abertas para qualquer que passe à sua frente a fim de saciar seus desejos mais instintivos de macheza ou de manda-chuva. Nem os professores são as mucamas que se vendem por qualquer valor aos clientes esvanecidos pela falta de respeito.

E acrescento que são os professores os primeiros os quais devem ser cobrados por tal; a despertar com o som do alarme que diz que sua profissão tem valor e é maior do que essa muita nota e frequência que alguns empurram a qualquer fé caderneta a dentro, para tapar o pouco conhecimento desse público o qual quer muito mais um papel, um atestado de incompetência, do que o real valor que garante o respeito e a honra ao ser humano: o conhecimento.

Por: Andesson Amaro Cavalcanti
Em: 07/08/2012

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