Saudações,
amantes da história e estórias. Tudo tranquilo por esses dias? Bem... Para mim,
posso dizer que as coisas não estão tão tranquilas, por estas regiões. Entendo
agora que barril de pólvora perigoso era esse lugar, como tanto me alertou o
pobre velhinho. A guerra estourou por lá e não existe ninguém que esteja a
salvo. Todos foram obrigados a se alistar. Depois de passar alguns dias escondido
em uns escombros que foram bombardeados, tive que finalmente, numa aparência de
verme esfomeado, sair correndo para aqueles que tanto me escondia: ingressei no
exército. Era a única forma de conseguir comida. Fui locomovido por longas
distâncias até as trincheiras do front ocidental.
Essa é daquelas histórias que muitos avôs da antiguidade gostariam de contar
para seus netos. Mas como não tenho filhos, meus herdeiros são vocês que
compartilho meus contos. Sente-se para a nova que já esta para começar.
Estava
muito frio. Sinais de que o inverno estava para começar. As batalhas que
anunciavam nossa triunfal e rápida vitória, tiveram um atraso. Estávamos
próximo da capital das luzes, mas somente, vamos escuridão da noite. Não
sabíamos quando seria a hora do próximo ataque. O alarme de ataques soava
constantemente, e o zumbindo ficava em nossas memórias como uma fantasma que
nos perseguisse eternamente. Os dias da semana eu já não sabia mais quais eram;
nem os do mês. Somente sabia quando era dia e noite. Sujar-nos era a regra para
fugir das trocas de tiros que aconteciam a cima de nós. Certo dia, depois que
terminei de fazer a barba, saí do meu pequeno abrigo, tomar meu ponto na
trincheira. Encontrei um colega de batalhas guardando um bilhete no bolso no interior
de seu uniforme.
-"O
que é isso?" - indaguei de forma intrometida, típica de curioso que sempre
sou.
-"É
um bilhete que eu escrevi. No fundo, cara, sabe.... eu acho que ela me ama.
Escrevi numa tarde chuvosa, pouco antes de ser convocado para a guerra. Conheci
ela quando nós estudávamos na universidade. Tive que largar os estudos no
último ano porque devido a eclosão do conflito militar e como minha família
empobreceu com os bombardeios, resolvi vir lutar para enviar o soldo para minha
mãe que está doente, vivendo há muitos quilômetros daqui. Ela está num lugar
que eu providenciei e encontra-se segura. Agora, a outra, a mulher que é razão
dessa carta, não sei mais por onde ela esta, no fundo do meu coração, espero
que ela esteja bem..."
-"Quando
foi a última vez que vocês se viram?" -interrompi o companheiro de guerra.
"Nas
aulas. Somente lá tinha oportunidade de vê-la. Nunca estivemos juntos, trocamos
muitas poucas palavras, talvez só cumprimentos formais. Fazíamos cursos
diferentes, porém a mesma instituição.
Mas, sabe como é a sensação de você encontrar diversas mulheres num
lugar só e, somente aquela lhe chamar a atenção? Fazer com que você vibrasse
por dentro, como se ela estivesse ali para que você conhecesse ela. De alguma
forma, eu tinha que conhecê-la. Mas, apenas me comunicava com carta com ela,
jamais conseguir conversar muito tempo com ela pessoalmente..."
-"Interessante,
agora, como você sabe que ela gosta de você?" - Ainda permanecia curioso;
afinal, ele somente falava dela, com aqueles olhares no infinitos dos amantes,
mas não explicava até agora a certeza
dela gostar dele.
-"É
difícil descrever, mas a forma como ela escrevia para mim, impossível ela
tratar a todos dessa maneira. Era incrível como eu ficava feliz ao saber que
alguma mensagem dela o trazia o carteiro. Lá ia eu sentar, ler degustando cada
palavra, sentido cada sinuosidade das letras que ela fazia com sua pena. Era
quase uma obra de arte. Depois eu as guardava e saia para caminha pelas ruas,
pensando no que responder para ela. No final do dia, começava escrever e tinha que fazer várias vezes, pois
eu sempre errava meus escritos, ou, minha letra borrava. Guardava a carta por
um tempo; somente, uma semana depois enviava."
-"Por
que você esperava esse tempo?"- Afinal, se ele gostava tanto da conversa,
qual motivo de esperar ainda uma semana para mandar a resposta.
-"Bem,
eu nunca gostei de fazer algo impulsivo para ela, mas geralmente sou assim.
Então eu guardava e, depois de uma semana, lia novamente e muitas vezes, eu arrumava
novamente os escritos, para assim enviar. Várias cartas minhas ficaram para
trás; daria para formar um livro: As
Cartas Que Não Enviei. Esta que eu seguro na minha mão por exemplo."
Ele retirou do bolso e me apontou o envelope que guardava. -" Essa foi a
única que me restou dessas cartas não enviadas. Depois do grande bombardeio,
toda minha casa pegou fogo e perdi tudo. Menos essa, que estava guardada
comigo."
-"Entendi
então a causa de você sempre ler essa papel antes das batalhas...."
afirmei com ar de relativo alívio como daquela pessoa que finalmente descobre a
causa de idiossincrasias alheias.
-"É para me
dar forças... Sempre que leio isso, me da forças para continuar lutando.... Já
sei, tive uma ideia!" - Disse o companheiro de armas num grito que quase
me assusta
-"Qual?"
-"Você
poderia enviar essa carta para ela por mim?"
-"Como?
você acabou de dizer que nem sabia onde ela estava!?"
-"Recordei-me
agora que ela disse que ia para o sul, onde tem a floresta. Lá era um lugar que
gostávamos, eu tenho o mapa desse local, você poderia encontrar ela lá!"
-"Mas
se eu sair agora não seria deserção?" - Já estava com medo da proposta do
meu companheiro de trincheira.
-"Amigo...
ouça o que eu vou te dizer agora, esse batalhão acabou! Não está vendo para os
lados! Não há ninguém! Houve um ataque ontem a noite, enquanto nos dois
dormíamos, todos morreram. A guerra para nós acabou. Em breve estaremos do lado
das linhas inimigas. Teremos que voltar. E todo esse conflito sem sentido esta
terminando. Perdemos a guerra, infelizmente tenho que lhe dizer isso. Agora,
não queria perdê-la; por favor, poderia fazer esse favor para mim..."-
enquanto eu pegava o bilhete e o mapa sinais de tiros começaram a soar.
-"São
os inimigos vindo pelo oeste. Rápido, corra para o sul, em direção sudeste, vou
lhe da cobertura! Vá!"- Enquanto eu
virava de costas e começava a correr por entre as lamas, minas enterradas e
arames farpados, tiros suavam pelos meus ouvidos como insetos que ficam
zumbindo pela noite e não nos deixam dormir. Corri, deixando em minha memória a
última imagem do meu amigo, deitado na parede da trincheira, jogando sua última
granada, segurando sua espingarda com bravura. Espero que agora, sem a carta
que ele tanto lia ele tenha forças. Acho que agora ele terá mais forças ainda,
pois sabe em quais mãos elas estão caminhando. Estão indo correndo para onde
está seu coração, direto para o sudeste.
Autor: Douglas Cavalheiro
Criação: 27/06/2012
objetivo: www.ligadosfm.com
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