25º Ensaio Cultural: Propaganda e Democracia

Que não me tomem por misantropo, pois isso não sou, mas a verdade é que, por natureza, os seres humanos são estúpidos. Na falta de um pensamento realmente crítico, o que manda o governo sempre é justificável  e aceito pela população se for em nome do "bem maior", da "democracia", do "povo" e dos "direitos". Não podemos esquecer de todos os males que já se cometeu em nome da distorção desses valores. Essa estupidez, que é intrínseca à nossa espécie, atinge graus ainda mais preocupantes e causa maiores efeitos quando fazemos o exercício do nossa direito de votar (aliás, chamar de direito algo que somos obrigados a fazer é um grande paradoxo).

Gente desinteressada em política, desinteressada em votar, mas que tem por obrigação fazê-lo, vê-se obrigada a encontrar um candidato e frequentemente esse é aquele não com as melhores ideias, mas com o maior carisma, que saiba mostrar uma imagem de líder competente, defensor do povo e dos seus interesses, mesmo que não o seja de fato. Basta criar uma projeção ideal de sindicalista, especialista, virtuoso ou qualquer outra. Ele pode até ser corrupto, mas seus admiradores não acreditarão que seja. É a melhor equipe de marketing, portanto, que garante um voto num país em que partido não possui ideologia e num povo que para isso também não liga, ora guinando à esquerda, ora à direita, dependendo de quem é inspira mais simpatia no momento.

Dessa forma, a propaganda manda na democracia de nossa republiqueta. Aldous Huxley, no capítulo Propaganda sob uma sociedade democrática de Regresso ao Admirável Mundo Novo, distingue dois tipos de propaganda: a racional, que vai de acordo com o interesse daqueles à qual se dirige, e a não-racional, que controla por meio de paixões, impulsos cegos, desejos e medos inconscientes. Observamos isso claramente não somente no magnum opus de Huxley, como também na nossa própria literatura, em O Bem Amado de Dias Gomes. O discurso de Odorico, pode-se observar na peça, é claramente uma forma de propaganda irracional. A inauguração de um cemitério municipal é mostrado como um grande feito, mas Sucupira é uma cidade tão pacata que isso se torna impossível, já que ninguém morre. Como o cemitério de Sucupira são muitas outras propostas utópicas e apresentadas como soluções para todos os problemas. Estas, que quando cumpridas, levam somente ao desperdício de dinheiro público - algo que, evidentemente, um leigo não seria capaz de calcular com precisão e estaria muito mais propenso a defender um Estado que prometa resolver tudo em vez de um orçamento reduzido. Tal como para foi com Odorico Paraguaçu em Sucupira, pouco importa se é campanha ou mandato: se há um povo na mão, ele aprovará sempre.

Em outro capítulo de Regresso ao Admirável Mundo Novo, diz Huxley que "a sobrevivência da democracia depende da capacidade de grandes maiorias para fazerem escolhas de modo realista à luz de uma informação sólida". Infelizmente, este não é o caso: as escolhas feitas não são realistas e as informações não são sólidas. Mesmo a classe intelectual, submetida à mídia, a uma academia capenga e a instrumentos teóricos que fecham suas mentes, são cegada por uma devoção à ideologia que os torna antes idiotas úteis que enfrentam o invisível em vez de combatentes de problemas reais. Agrava-se isso ainda porque a são geralmente ditas muitas verdades, mas somente as verdades convenientes para encobrir uma mentira. A propaganda, no entanto, tem também pode ser usada para o bem, defende Huxley, pois esta é somente um poder, que depende de quem usa. 

Cito como exemplo de anúncio comercial que mostra-nos como esta mesma arte pode ser usada para maus fins, tendo claramente um propósito educativo além de apelativo, um da Folha de São Paulo, na qual se ouve o seguinte texto: "Este homem pegou uma nação destruída, recuperou sua economia e devolveu o orgulho a seu povo. Em seus quatro primeiros anos de governo, o número de desempregados caiu de 6 milhões para 900 mil pessoas. Este homem fez o produto interno bruto crescer 102% e a renda per capita dobrar. Aumentou os lucros das empresas de 175 milhões para 5 bilhões de marcos. E reduziu uma hiper-inflação a no máximo 25% ao ano. Este homem adorava música e pintura, e quando jovem imaginava seguir a carreira astística." Conforme o texto vai sendo lido, o retrato do homem vai ficando mais claro para quem vê, até que notemos que aquele do qual se fala é Adolf Hitler, sem que tenha sido dita uma só mentira! É dessa forma que se cria uma imagem positiva até mesmo para o pior dos homens.

Mas, como se cria mentiras dizendo somente verdades? Como fazer com que a propaganda política inspire tanta credibilidade? Além dos princípios de Goebbels (clique aqui para ler), que são grande referência quando se fala desse assunto, há outras fontes às quais possamos nos reportar para buscar essas respostas. Nos meus tempos de estudante de Direito, lembro-me de ter lido no livro Introdução à ciência política, do falecido Darcy Azambuja, algumas regras psicológicas da propaganda, inspiradas no livro La propagande politique de J.-M. Domenach. Vejo-as todos os dias colocadas em prática no horário eleitoral gratuito e cito sem maiores explicações, a fim de instigar reflexão, as regras de Domenach segundo Azambuja: 1. dizer a verdade (mas somente a verdade que convém), para evitar desmentidos que anulariam a propaganda; 2. ser claro, para ser entendido pelo maior número, porém não muito claro quando os argumentos não têm grande valor; 3. atacar sempre; só defender-se quando a defesa abater o adversário - caso contrário, calar-se; 4. dirigir-se aos sentimentos, não às ideias; 5. é preferível não utilizar boatos; 6. repetir sempre; 7. simplificar os problemas e personalizar o adversário; 8. exagerar as notícias e fatos favoráveis à propaganda, resumindo-os em manchetes e frases curtas; 9. aparentar que exprime a maioria das opiniões.

Todos os instrumentos de doutrinação estão expostos e os bem informados certamente saberão se defender deles, mas a sociedade como um todo continua ameaçada por um povo que é levado a fazer o pior dos usos do seu direito que foi em lei transformado em obrigação: a obrigação de escolher aquele com quem você simpatiza, independente de ideologia ou do realismo de suas propostas. Deixo claro que o carisma e a boa retórica não faz de nenhum político necessariamente desonesto ou enganador, mas essas características em tudo colaboram para esconder o que possa haver de mais infame. 

Convido-os, leitores e eleitores, a usarem o espaço dos comentários desta coluna para falar em como isso tem sido observado nessa época de eleições de 2012. Façamos uma discussão saudável acerca da situação política nessa época pré-eleições. Sendo bem otimista, que façamos o possível e o impossível para que a democracia nos traga o melhor dessa vez! 

Autor: André Marinho
Criação: 16/09/2012
Objetivo: www.ligadosfm.com

Comentários