30ª Resenha Crítica - A Toca do Tarrasque


Boa noite, caros leitores. Como estão? Quem ouviu a última edição do Papo de Gago, sobre RPG, deve ter ouvido falar de A Toca do Tarrasque - Volume 1, primeiro livro publicado do potiguar Guilherme Neri, com 174 páginas divididas entre dois contos longos. Esse será o livro resenhado hoje.

Segundo o autor, o livro surgiu a partir de aventuras de RPG das quais participou e inicialmente pretendia ser voltado aos RPGistas. A ideia, porém, amadureceu e deu à Toca do Tarrasque uma vida própria, com um cenário fantástico pleno da mitologia com as quais estão tão familiarizados os jogadores de RPG (golems, ninfas, hipogrifos, etc.). Portanto, este não é um livro somente para quem joga RPG, como também para um público geral que aprecie ficção fantástica.

A Toca do Tarrasque, que dá título ao livro, é uma taverna extraplanar na qual quem conta suas histórias pode beber de graça. É o típico cenário de bebedeira como ponto para contar histórias, que Álvares de Azevedo já utilizou no século 19 e que os RPG mantém até hoje (é nas tavernas que geralmente se conta de alguma lenda que leva a uma aventura!). Esse livro, que é o primeiro de vários volumes ainda a serem lançados, estão duas das histórias contadas no estabelecimento: Sobre o Olhar de um Tolo e A Sombra da Fé

A um fato eu advirto todos aqueles pretendem ler A Toca do Tarrasque: não há rebuscamento na linguagem, muito pelo contrário. A linguagem é simples e o texto é repleto de erros, fato reconhecido pelo autor, que adverte na orelha do livro: "Quem acha que um português excelente é pré-requisito para se fazer uma história ou romance ou qualquer outro gênero literário, não leia mais que o aviso". Porém, não se enganem que falta conteúdo apenas porque linguisticamente o texto não é polido. Vale a pena ler e aguentar esses erros.

O primeiro conto é sobre um incoerente monge de valores e atitudes duvidosas, incapaz de manter um juramento ou de seguir as regras que impõe a si mesmo. É pouco confiável como narrador, contradizendo-se diversas vezes e não agindo conforme diz ser de seu feitio. Diz, por exemplo, que nunca mata, chegando no máximo a deixar um inimigo gravemente ferido, só para a seguir dizer que mentia e que na verdade já matou muito. Em outro capítulo, vê-se a mesma mentira muito mais amplianda, dizendo ele que prefere matar sem dor em vez de ferir. 

O monge, com sua montaria Capivara, que era "um jumento, na verdade era jumenta, mas esse detalhe nunca importou e nunca vai importar". encontra em suas andanças uma ninfa e ela acaba por cair em seus cuidados. A maior dificuldade do nosso (anti-)herói é resistir à luxúria que desperta a ninfa, essa mesma que levou tantos outros à ruína. As ninfas, como é de conhecimento de quem conhece esses seres fantásticos, tem um encanto ao qual dificilmente podem escapar os homens. Ninfas são femmes fatales, arquétipo do lado negro feminino, de destruidora volúpia, representado claramente na capa da publicação por uma figura que combina suaves traços femininos com elementos monstruosos como também no epílogo do conto, que contém o seguinte trecho: "Nunca olhe para uma ninfa, nunca fale com uma, feche os olhos e siga sua vida, não pare nem se ela estiver correndo perigo, fuja dessa maldição que é conhecer um ser deste, um ser calculado na Luxuria e nos prazeres, tanto da carne quanto do intelecto".

Sobre o Olhar de um Tolo tem como traço marcante uma linguagem vulgar e coloquial, recheada de sarcasmo, com diálogos às vezes beirando o absurdo. É, também, romântico, com um bom desenvolvimento da subjetividade e valorização dos sentimentos dos personagens. Com isso, o conto promete arrancar muitos risos e divertir ao mesmo tempo que se desenrolam conflitos internos, interpessoais ou combates no maior estilo daqueles dos RPG. É uma leitura dinâmica e que diverte, dominando a narração sobre a descrição, traço típico de uma aventura de RPG. Os combates são sérios mas têm também seus momentos cômicos, decorrentes da adjetivação e das metáforas que usa o narrador. Há até um "momento Kratos" em uma luta (referência clara ao game God of War).

O segundo conto A Sombra da Fé, é contado em terceira pessoa, lançando mão do subjetivismo do primeiro textos e adquirindo uma narrativa mais sóbria. Sua protagonista é Orfelia, uma paladina de Lina, deusa da Justiça. Tem como elemento marcante na sua aparência os seus cabelos vermehos, cor do fogo, que é o elemento da destruição, mas também da elevação e da iluminação. Esse aspecto de sua aparência, que tem um certo significado elemental, reflete em sua personalidade. O seu dever de paladina, ela segue fielmente, porém em seus valores ela se mostra muito falha, carregando nas costas mortes de diversos inocentes devido a sua "inflamação" na luta. Mesmo ao confessar seus erros, a guerreira se recusa a receber reprimendas e, movida por orgulho, mantém a sua postura que vai contra os ideais que se espera de uma paladina da Justiça. 

Para alcançar a vitória, não lança mão de todos os meios, mostrando-se uma guerreira implacável, uma Joana d'Arc. É notável o desenvolvimento psicológico de Orfelia durante a história, crescendo o seu compromentimento com a seu dever sagrado até que eles entram em choque com seus sentimentos e com suas realizações pessoais e maternais. Os conflitos entre o sagrado e o profano, o dever e a vontade, o coletivo e o individual, o pecado e a culpa, mostram Ofélia como uma protagonista consistente, psicologicamente complexa e bastante humana.


Assim como em Sobre o Olhar de um Tolo, em A Sombra da Fé estão fortemente presentes os elementos fantásticos e os combates com criaturas mitológicas. Orfelia luta contra demônios, vampiros e todo o tipo de mal que existe no mundo, seja ele sobrenatural ou inerentemente humano. São combates épicos, com imagens marcantes que podemos facilmente imaginar, sem qualquer exagero descritivo que nos prenderia em uma pequena parte de um acontecimento em vez de servir ao seu todo.


Não é um trabalho que eu possa considerar magnífico, até porque essa primeira edição não teve todo o polimento que necessitava (revisão ortográfica). Mas, como um livro pouco ambicioso, simples e com boas histórias inspiradas por cenários e jogos de RPG, A Toca do Tarrasque cumpre o seu papel e é uma leitura que recomendo.

Os interessados em comprar o livro podem encontrá-lo na banca do Via Direta ou na banca do Nordestão. Outra opção é encomendar o livro no Clube de Autores.

Lembramos também que o Papo de Gago está sorteando um exemplar de A Toca do Tarrasque na sua página do Facebook. Corram para participar, pois ainda há tempo! O sorteio acontecerá na quinta-feira (13 de Setembro).

Autor: André Marinho
Criação: 09/09/2012
Objetivo: www.ligadosfm.com

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