20ª Entrevista Literária - Ronaldo Cagiano


Ronaldo Cagiano, nascido em Cataguases no ano de 1961, é advogado, escritor, ensaísta e crítico. Participa de algumas antologias brasileiras e estrangeiras, colabora em diversos jornais nacionais e do exterior, além de ter sido premiado em vários concursos literários. Publicou os livros "Palavra engajada" (poesia, Ed. Scortecci, SP, 1989); "Colheita amarga & outras angústias" (poesia, Ed. Scortecci, SP, 1990); "Exílio" (poesia, Ed. Scortecci, SP, 1990); "Palavracesa" (poesia, Ed. Cataguases, Brasília, 1994); "O prazer da leitura", em parceria com Jacinto Guerra (contos juvenis, Ed. Thesausus, Brasília, 1997); "Prismas – Literatura e outros temas" (crítica literária, Ed. Thesaurus, Brasília, 1997); "Canção dentro da noite" (poesia, Ed. Thesaurus, Brasília, 1999); "Espelho, espelho meu", em parceria com Joilson Portocalvo (infantojuvenil, Ed. Thesaurus, Brasília, 2000); "Dezembro indigesto" (contos, Brasília, 2001); "Concerto para arranha-céus" (contos, LGE, Brasília, 2004); "Dicionário de pequenas solidões" (contos, Língua Geral, Rio, 2006); "O sol nas feridas" (poesia, Dobra Ideias, SP, 2011) e "Moenda de silêncios", em parceria com Whisner Fraga (novela, Dobra Ideias, SP, 2012). Organizou as coletâneas "Antologia do conto brasiliense"  (Projecto Editorial, Brasília, 2001), "Poetas mineiros em Brasília" (Varanda Edições, Brasília, 2001) e "Todas as gerações - O conto brasiliense contemporâneo" (LGE Editora, Brasília, 2006).

O autor Ronaldo Cagiano

Ligados: Quando a literatura entrou em sua vida? Você tinha em mente desde cedo que queria publicar livros, ou o processo fluiu, digamos assim, de forma espontânea? 

Ronaldo Cagiano: Foi a vida, ávida, que entrou em minha literatura. Desde tenra idade não me vejo senão com um livro à mão ou na cabeceira da cama. Então, desde cedo, sendo primeiro leitor, descobri que queria escrever. 

Ligados: Além de escrever, quais outras atividades você exerce, atualmente? 

Ronaldo Cagiano: Sou formado em Direito, advoguei alguns anos, mas nunca gostei da profissão. Hoje o Direito interessa-me apenas como Filosofia e Doutrina e nada como prática advocatícia. A literatura é que me proporciona prazer. Porém, não vivo da literatura; tenho emprego, sou bancário há trinta e um anos e a sobrevivência exige que o quotidiano seja interditado pelo pragmatismo, então é necessário esse vínculo funcional para poder pagar as contas, ter um mínimo de conforto material e estabilidade financeira para poder viver sem sobressaltos e poder comprar livros, discos, ir ao cinema, viajar, enfim, sentir o prazer que o trabalho não dá. 

Ligados: As suas primeiras obras lançadas foram de poesia, embora sempre tenha existido certa tendência prosaica em sua expressão poética. O que te fez aventurar-se em outro gênero que, de certa forma, era novo para você? 

Ronaldo Cagiano: Comecei escrevendo e publicando poesia. Meus primeiros passos foram num hebdomadário municipal, o jornal “Cataguases”, onde meus primeiros textos apareceram. Minha poesia sempre carregou um fluxo prosaico e com isso fui percebendo que havia um influxo narrativo nos versos. A migração para o conto e para a ficção se deu naturalmente. Mas sou leitor assíduo de poesia e continuo a escrevê-las e publicá-las. Tanto que minha relação com a ficção se encaminha mais para uma prosa poética, talvez incorporando aquele sentimento de Baudelaire: “Seja poeta mesmo em prosa.” 

Ligados: Quantos e quais livros já publicou? 

Ronaldo Cagiano: Entre livros publicados e antologias organizadas são os seguintes: 

"Palavra engajada" (poesia, Ed. Scortecci, SP, 1989); "Colheita amarga & outras angústias" (poesia, Ed. Scortecci, SP, 1990); "Exílio" (poesia, Ed. Scortecci, SP, 1990); "Palavracesa" (poesia, Ed. Cataguases, Brasília, 1994); "O prazer da leitura", em parceria com Jacinto Guerra (contos juvenis, Ed. Thesausus, Brasília, 1997); "Prismas – Literatura e outros temas" (crítica literária, Ed. Thesaurus, Brasília, 1997); "Canção dentro da noite" (poesia, Ed. Thesaurus, Brasília, 1999); "Espelho, espelho meu", em parceria com Joilson Portocalvo (infantojuvenil, Ed. Thesaurus, Brasília, 2000); "Dezembro indigesto" (contos, Brasília, 2001); "Concerto para arranha-céus" (contos, LGE, Brasília, 2004); "Dicionário de pequenas solidões" (contos, Língua Geral, Rio, 2006); "O sol nas feridas" (poesia, Dobra Ideias, SP, 2011); "Moenda de silêncios", em parceria com Whisner Fraga (novela, Dobra Ideias, SP, 2012); "Antologia do conto brasiliense"  (Projecto Editorial, Brasília, 2001), "Poetas mineiros em Brasília" (Varanda Edições, Brasília, 2001) e "Todas as gerações - O conto brasiliense contemporâneo" (LGE Editora, Brasília, 2006).

Ligados: Como acontece o seu processo de criação literária? 

Ronaldo Cagiano: A poesia e a ficção nascem do acaso, em qualquer lugar, em qualquer tempo. Ela irrompe quando quer. Um poema, um conto ou uma novela podem emergir de circunstâncias bem distintas: de uma ideia pré-concebida ou de um insight, de algo que se assanha em nosso inconsciente ou se insinua a partir da realidade e dos pequenos acontecimentos quotidianos. Um simples olhar ou uma simples ocorrência fortuita podem deflagrar a criação literária. Não tenho disciplina, muito menos rotina imposta. No entanto, um texto pode surgir no trabalho, do sonho, de uma caminhada, de uma viagem, de um traslado de ônibus ou metrô, de uma conversa entreouvida num botequim, de uma cena flagrada ao acaso. Tudo pode ser matéria e circunstância que, ocorrendo no momento certo, podem ser apreendidas como leitmotiv. Assim como a memória, fonte inesgotável de motes literários. 

Ligados: Em seus textos em prosa são comuns os temas urbanos, a modernidade, a metrópole e a ruptura social. Por que o autor se utiliza destes cenários? 

Ronaldo Cagiano: Sempre vivi na cidade. Até os 18 anos, vivi em Cataguases, cidade industrial da zona da Mata Mineira, que tem uma ligação muito forte, por conta da proximidade, com Rio de Janeiro e Belo Horizonte e um pouco também com São Paulo. Mudei-me para Brasília, onde vivi 28 anos e há cinco estou em São Paulo. Minha experiência pessoal, afetiva, geográfica, histórica, social e psicológica é toda urbana e a maior parte da minha vida eu a passei em grandes centros. Por essa razão capto esse universo que me é particular. Jamais escreveria sobre o sertão, seja ele mineiro, do cerrado ou do Nordeste, porque não saberia reproduzir a sua riqueza, seus valores e idiossincrasias, porque não fui afetado por essas realidades. Então, falo do que vivi e de onde vivi e os centros urbanos me oferecem o material humano e sensorial para minha confecção literária. Então, são as questões ligadas a essa vivência que procuro captar no meu trabalho, principalmente um olhar sobre a solidão e insularidade do homem contemporâneo na sociedade premida por tantas exigências e demandas, que sofre as suas tragédias diárias e se avilta diante do caos que lhes é tão peculiar. 

Ligados: Ainda na literatura, você foi organizador de inúmeras coletâneas. Em sua opinião, qual a importância deste difusor cultural no cenário literário brasileiro? 

Ronaldo Cagiano: As antologias são importantes – e até necessárias – no sentido de mapear um território e registrar uma época dentro do panorama da literatura, no entanto elas não são definitivas, não há qualquer caráter compulsório e definidor de cânones, porque é a peneira do tempo, do leitor e da crítica que vão dizer o que permanecerá. As antologias refletem um universo num dado lugar e momento e aí há o vezo subjetivo, pois entra o juízo de valor do organizador. Por mais isento que se queira ser na organização de coletâneas literárias, há sempre o risco das injustiças e dos excessos, porque você acaba delimitando um determinado espaço criativo em função de seus gostos e suas escolhas. E como dizia Clarice Lispector, “Toda escolha implica num assassinato”. O que a define como o melhor da prosa; ou B como o melhor da poesia; ou Fulano faz o panorama da literatura negra, ou gay, ou feminina, no fundo acaba guetificando e reduzindo a literatura, porque outros olhares ou julgamento serão feitos, tantos forem os idealizadores. Portanto, precisamos relativizar esses trabalhos coletivos. Nem sempre uma antologia é totalmente fiel ao seu tempo e à geografia que pretende mensurar. 

Ligados: Certa vez Kafka (escritor que você já demonstrou ter grande admiração em seus livros) disse: “Tudo que não é literatura me aborrece”. Qual o significado desta frase para você? Aproveitando, que outros autores te influenciam? 

Ronaldo Cagiano: Essa frase é o que define a minha vida. Como detesto futebol, é nesse campo que atuo. Como não acredito em Deus, é ela meu evangelho. Literatura para mim é farol, chão, teto, pulmão, janela. Como já disse Northrop Frye, “A literatura continua sendo o único lugar onde se pode ser livre.” Lembro-me de uma frase do amigo e escritor Duílio Gomes, mineiro de Mariana, falecido há pouco mais de um ano, que serve também para situar minha relação com a escrita: “Escrever não é a coisa mais importante do mundo, mas deixar de fazê-lo, quando se tem vocação para tanto, pode ser a pior coisa do mundo.” Quanto a influências, eu prefiro falar nas que sofri com a experiência pessoal, o dia a dia, o passar a infância engraxando sapatos na barbearia, cujo convívio com pessoas e o acesso às leituras de jornais foram fundamentais na minha formação. Mas em relação a autores há aqueles que me acompanham sempre, cujas leituras renovam em mim o prazer de escrever: Graciliano Ramos, Anton Tchecov, Albert Camus, Kafka, Pessoa, Drummond, Bandeira, Vergílio Ferreira, Lobo Antunes, Faulkner, Thomas Mann, Proust, Campos de Carvalho, Clarice, Machado, Rosa. 

Ligados: Que dica você daria aos novos escritores? 

Ronaldo Cagiano: A leitura precede ao escritor. Ao talento e pré-disposição para escrever, o hábito de leitura se converte no maior aliado. È a leitura (e releitura, principalmente) que nos colocam na direção de uma escrita afinada e profunda. Não há como aprimorar seu processo criativo sem a constância da leitura. Inquieta-me perceber que há escritores que iniciam sua trajetória, começam publicando aqui e ali, mas não leram nada. Isso empobrece o trabalho individual e nivela por baixo as novas gerações. 

Ligados: Existem projetos em pauta ou títulos para serem publicados? Se sim, poderia nos falar um pouco sobre eles? 

Ronaldo Cagiano: Estou com dois livros novos, um deles de poesia, ainda inéditos. Recentemente, fui contemplado com a Bolsa do Governo do Estado de SP, destinada à conclusão de obras em andamento. Meu livro de contos “Eles não moram mais aqui” in progress foi escolhido. Escrevi um romance, “Diolindas”, em parceria com minha esposa, Eltânia André. E também sairá em 2012 em Coimbra meu livro de poesia “O sol nas feridas”, que foi publicado ano passado aqui e foi finalista do Prêmio Portugal Telecom. 

Ligados: Considerações finais. 

Ronaldo Cagiano: Deixo aqui minha reflexão, a partir de uma sentença de Fernando Pessoa: “A literatura, como toda arte, é a confissão de que a vida não basta.”


Autor: Thiago Jefferson - Criação: 14/12/2012 - Objetivo: www.ligadosfm.com

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