52º Mundo Cão – Muito prazer, a consequência!


É chato ser vítima da consequência. Mais chato ainda é sê-lo das suas próprias... Sim! As pessoas têm o costume de assumir responsabilidades, ao contrário do que se acredita e se diz nas palestras motivacionais e de autoajuda. O que elas não assumem, contudo, são as consequências de suas irresponsabilidades e, aí, vem uma série de justificativas, desculpas e até culpa recíproca por desacertos acontecidos não por descuidos terceiros.

Se observarmos, isto se trata de um mecanismo de autodefesa, que tem o maior propósito de manter o indivíduo que o pratica intacto e aceito no seu meio social. Erros não são toleráveis pela maioria das pessoas e dos grupos sociais (talvez por isto as campanhas indiretas nas empresas, que incitam seus funcionários a não terem medo de errar). Erros são incoerências, são falhas, dependendo do grau, fruto de despreparo e da inexperiência. Boa parte dos erros, cognitivamente falando, não é intencional, mas, natural de um procedimento cujo ator principal não é dotado das mínimas competências para acertar em suas medidas tomadas.

No ambiente empresarial, os erros são tolerados até um determinado grau (geralmente, funções e responsabilidades que não requerem tanta experiência tática ou domínio técnico). Na construção civil, por exemplo, um erro cometido por um engenheiro ou um mestre de obras assume o mesmo grau de importância e gera as mesmas consequências (a construção pode desabar ou representar um risco estrutural). Em um departamento de vendas, um erro cometido por um vendedor não gera o mesmo impacto sobre as vendas totais, pois o mesmo vendedor, em se tratando do fato de atender mal a um potencial cliente, pode acarretar no não cumprimento de vender pelo menos uma de suas mercadorias a um único vendedor. A decisão tomada pelo gerente de vendas, contudo, pode culminar na melhor qualificação de seus liderados ou nas poucas saídas das mercadorias nas prateleiras. De qualquer forma, uma medida tomada por um vendedor é um caso isolado, enquanto que a do mestre de obras pode interferir em toda a obra.

O mesmo acontece com a vida social (fora das empresas), ou seja, tudo dependerá do seu referencial. Dormir com a luz acesa acarreta em uma conta de luz mais cara no fim do mês, assim como exagerar nas brincadeiras sem graça com os amigos (provavelmente, essa pessoa será ‘vítima’ de um possível isolamento) ou ter o costume de perder ou não devolver objetos emprestados por outra pessoa. O que quero dizer com isto tudo é que as consequências não estão, nem o são, acessíveis ao nosso controle.

As consequências são frutos de uma determinada causa a qual justifica um acontecimento. Ou seja, controlamos a segunda variável, a causa, de forma que colocamos em prática aquele velho discurso popular e sem autoria de que “somos capazes de mudar o presente” e tornamos as consequências futuras positivas e a nosso favor. Em outras palavras, são plausíveis de observação e, aí, cai por terra o julgamento das pessoas.

Deixemos de lado agora as fórmulas quase matemáticas e passemos a averiguar o comportamento recíproco das pessoas. Por mais que elas exprimam o discurso o qual visa transmitir aceitação e tolerância ao erro, menos será a aceitação de um determinado indivíduo em seu grupo quanto maior for a frequência de seus erros. Mas, as pessoas objetivam aceitação social e influência sobre seus ‘seguidores’ e, errando, elas não atingiram este retrospecto de suas vidas sociais. Por isto, elas camuflam determinadas contradições que vos acometem.

Isto se trata de um mecanismo de defesa, o ego. Ao não assumirem o risco de sofrer as consequências em função de um determinado erro cometido, essas mesmas pessoas reduzem a frequência dos erros cometidos ao longo de sua vida, o que as tornam aceitáveis e com moral dentro do seu grupo. Quando uma pessoa desmente a acusação de que perdeu um bem o qual lhes fora emprestado ou transfere a culpa para outro indivíduo, ela assim está agindo com o fim de preservar a confiança adquirida junto aos demais colegas de convívio, haja visto que a mesma tem o interesse de novamente pedir algo emprestado para alguém. Ou seja, ao manipular os erros cometidos, nas suas diversas formas, o indivíduo que o faz tece-o com o maior intuito de preservar seu status social e sua aceitação como membro de um determinado grupo.

Isto é muito comum em empresas, na bolsa de valores e no varejo. Boa parte das empresas que fabricam e vendem eletrônicos adotam uma postura nada satisfatória ao consumidor quanto ao pós-venda, pois, quanto maior a demanda por reposição de peças ou garantias, menor será a sua aceitação no mercado. As classes mais altas, por exemplo, rejeitam marcas com vasto histórico de problemas, como a CCE, aqui no Brasil, e a FIAT nos EUA. A culpa de um problema relacionado ao mau funcionamento de um equipamento tenderá a sempre ser do consumidor, em vistas uso inadequado do equipamento, e não do fabricante, por um erro de fabricação.

A palavra-chave da consequência é “erro”. Erra mais quem merece menos a nossa confiança, tal qual merece mais a nossa confiança aqueles que errarem menos. A causa é apenas o objeto da ação e alguém tem que tomar alguma providência. Enquanto alguns agem, outros observam... Em outras palavras, agimos para ser aceitos por observadores, que preferiram observar ao colocar a sua confiança em jogo. Para eles, alguma vez, deve ter sido doloroso ter que caminhar até conseguir a confiança e a aceitação do seu grupo; agora, as dores e os riscos são transmitidos a terceiros.

De qualquer forma, as falácias e as benesses da vida em grupo assolam a todos que não optam pelo isolamento. E haverão de sempre ter que aceitar isto...

MARCUM, David; SMITH, Steven. O fator ego: como o ego pode ser seu maior aliado ou seu maior inimigo. Rio de Janeiro: Sextante, 2009.

Por: Andesson Amaro Cavalcanti
Em: 04/12/2012

Confira a ultima coluna Mundo Cão: 51º Mundo Cão – A Marcha da Incoerência

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