3º Conto - Lobos Na Sombra


LOBOS NA SOMBRA

De Praga ao Mar Negro, de Kiev ao Mar Adriático, ao longo dos Cárpatos e do Danúbio, há uma guerra silenciosa que se estende pela noite – sussurros do confronto entre os Lordes Vampiros e os Amaldiçoados Lupinos. Estas são as guerras de gerações, batalhas que perduram por mais tempo do que podem lembrar-se os humanos e os castelos em rochedos íngremes, sendo apenas as densas florestas que toldam o gelo as testemunhas dos lares de antigos Demônios.
No entanto, mesmo dois inimigos naturais, raças de monstros, podem cooperar, ainda que por pouco tempo.
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Mais uma vez, os malditos otomanos haviam atacado. Eram covardes que se esgueiravam pela noite como hordas de ratos. Tudo estava planejado: espiões dentro do castelo abriram os portões e indicaram as passagens encobertas; traidores que se desmascaravam homogêneos ao exército inimigo homens e sombras que guerreavam no frio da nevasca, marcando seus corpos com o peso gélido das armaduras sob a fúria do trovões, o entrechocar dos metais e o fedor que subia dos corpos estripados e jogados no gelo.
Não havia como ser diferente, não naquelas terras esquecidas por Deus, onde o sol ilumina por apenas seis esguias horas, vis criaturas governam na mais absoluta ausência de humanidade e demônios se aniquilam em carnificinas.
Aos poucos os incautos tombavam e da penumbra percebia-se imortais e lobisomens compondo a batalha. Nem mesmo os lordes vampiros haviam se negado ao calor do embate.
Um deles, Radu, senhor de todos os otomanos, conhecido por sua campanha de dominação do submundo, já se via longe de seu cavalo demoníaco. Estava absorvido na matança, ceifando almas e retalhando corpos mortais, caçando, entre muitos o cheiro de outro vampiro, aquele que seria a última cria do Dragão.
 Naquele labirinto de metais e sangue, ambos se caçavam, e ela alimentava a neve com o rubro sangue dos otomanos cujos cadáveres mutilados acabavam em pilhas plenas de rostos que traziam a mesma expressão de terror daqueles que, por um instante, encararam os olhos avermelhados da filha do próprio anticristo.
Então, os dois se encaram. De um lado, o cavaleiro em sua túnica negra, armado com uma longa espada e imponente elmo prateado; do outro, uma dama furiosa de uma palidez mórbida, cabelos desgrenhados pela nevasca e punhos que vibravam um machado de proporções gigantescas contra os poucos que ainda se atreviam a confrontá-la.
Uma piscada de olhos e a vampira investiu com golpes sucessivos contra aqueles que lhe atrapalhavam o curso até que as armas de ambos se tocassem. Era como se o menor sussurro não se erguesse enquanto os dois lutavam.
Clarisse acertou seu adversário primeiro, cortando-lhe o ombro e rompendo qualquer tecido que ficava entre um lado e outro do braço. O lorde, cujas veias  espirravam sangue e que ainda tombava sob o impacto do golpe, fez sua lâmina penetrar ossos e tendões da criatura com rapidez, decepando sua perna e obrigando-a largar o machado.
Em uma batida de coração humano, os dois caíam. Como outrora, Radu definia a batalha à medida que seu braço se regenerava e ele decapitava a condessa, última das filhas do antigo Draculea, e que sumia entre cinzas em uma expressão de dor.
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Usufruindo do novo trono, Radu apreciava o sangue mais quente das damas de companhia da condessa enquanto seus cães exterminavam os poucos que restaram.
Havia extinto todos os que o ameaçavam, a começar por seu irmão, que antes tanto governou e aterrorizou  aquelas terras - terras de Radu.
Ele ria. Eram gargalhadas comuns aos que não têm alma, e elas continuavam a se espalhar pelos corredores mesmo quando seus lacaios temerosos sussurraram que os lobisomens haviam chegado.
Nada naquele momento poderia agradar mais ao vampiro que refrescar sua memória com a imagem de seus cães entrando no salão, todos vestidos em retalhos do que um dia pode ser chamado de roupas.
Eram os mesmos oito lobos que guardavam os segredos das florestas densas, inimigos naturais de sua raça, guardiões que se curvavam a Radu como na primeira vez, onde pediram sua ajuda para aniquilar Draculea e todos os seus inimigos, sendo ele, apenas ele, o senhor de toda a Valáquia e regiões vizinhas.
Aos pés de Radu, contorcido para não tocar nos desnudos corpos que jaziam ressequidos ao trono, Victor, senhor dos lobisomens, se ajoelhou e beijou a mão do vampiro.
Sorriu para o lorde:
– Esses eram os últimos vampiros a se oporem a vós? Radu... meu Lorde.  – A voz do homem era quase humana. Quase.
– Sim. – Radu sorriu levemente. – Agora, meu aliado, governamos estas terras. – O morto sorria, gesticulando lentamente com as mãos.
Victor observava o sanguessuga. Tinha nojo da criatura, e pensava se já havia chegado a hora de romper o pacto.
– Acredito que agora queiras que eu pague teu preço, valoroso Victor. O que apreciarias? Desejo muito fazer um bom agrado. Que tal um quinto das terras, nas margens ao norte? Há matas, terra, escravos... – e exibiu um sorriso cruel; sabia que estava falando das terras do próprio lobo. – O que desejas, meu caro? Mulheres? Garotos? Vinho? Aço? Sangue...?
Mas o vampiro não continuou. Suas palavras foram sumindo à medida que o homem à sua frente crescia em um rugido estrondoso e sua pele se tomava de uma espessa pelagem negra. Os guerreiros se recuaram: sua cabeça agora era a de um lobo e suas mãos expunham garras negras.
De pé, à frente do trono, Radu entendia tudo. A aliança havia sido rompida; agora começava a nova guerra. E ele empunhou a espada, se posicionando para lutar. Não cairia pelas mãos de um simples lobisomem insubordinado.
Os dois oponentes cautelosos começaram a se estudar em círculos, encaravam-se e esperavam o movimento menos prudente do adversário. Enquanto isso, lobos se engalfinhavam com escravos impedindo que a luta fosse perturbada.
De súbito, os dois investiram:
O vampiro visou a garganta do lobo, e este não esquivou, tomando o golpe que fez seu sangue esguichar e um ganido de dor surgir. Aproveitando aquele movimento, Victor cravou suas garras no abdômen da criatura, que resmungou e foi lançada de volta para o trono com a força do golpe.
O lobisomem pulou em cima do vampiro em um frenesi de batalha. Investiu contra seu abdômen novamente e, atingindo o buraco que já sangrava, fez o vampiro sentir suas entranhas queimarem em frio. Tentou reagir, enfiando repetidamente a espada na garganta da besta, mas era inútil. Logo, apenas os restos do imortal permaneciam.
Já longe das terras humanas, os lobos se reuniam à alcatéia. Neles o aroma persistente do castelo que queimava denunciava o fim de cada demônio, lembranças que eram levadas das futuras gerações como a fumaça que subia.
Juntos, lobos e lobisomens uivavam em um rito de fim de guerras, uivavam comemorando o fim dos Lordes vampiros.
Ou assim os lobos pensavam... 

Autor: Felipo Bellini Souza     Criação: 02/03/2009   Objetivo: Antologia Metamorfose

Lobos na Sombra. In: Ademir Pascale. (Org.). Metamorfose - A Furia Dos Lobisomens. 1 ed. São Paulo: All Print Editora, 2009, v. 1, p. 160-164.
Texto também publicado em: www.cavaleirosdasnoitesinsones.com

Comentários

Camila disse…
woooooooooooooooowww que massaa!! Tem continuação??? *____*
Demonstre disse…
Vou pensar no caso. ;)
Anderson Ricardo disse…
Eu tambem quero continuação. \o/